Peru troca presidente, mas mantém sistema corrupto – 01/11/2025 – Sylvia Colombo

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A turbulência vivida no Peru em 2022, depois do autogolpe de Pedro Castillo, a série de protestos que deixaram centenas de mortes não podia acabar bem. A população, em geral, não queria saber de Dina Boluarte afirmando que sua vice não tinha a mesma raiz que ele.

A crise durou semanas e apenas se apaziguou por meio de um acordo detestável. O Congresso não pediria seu afastamento e faria vista grossa por sua intromissão na Justiça, enquanto a mandatária impediria que fossem investigados os mais de 80% de parlamentares investigados por corrupção.

A presidente passou a governar sobre ruínas, sem base popular, na corda bamba com o Congresso. Boluarte sobreviveu por quase três anos trocando apoio por proteção. Abriu mão de qualquer coerência ideológica para preservar o mandato, tornando-se peça útil de uma engrenagem que seguia intacta.

Como descreve o pesquisador Will Freeman, da organização Council on Foreign Relations, o poder real no Peru se concentrou em torno do que a jurista Rosa María Palacios chama de “as quatro famílias”: os Fujimori, Acuña, Luna Gálvez e Cerrón.

Esse bloco parlamentar vinha operando uma agenda comum: enfraquecer o Judiciário, ampliar o controle legislativo e aprovar o que os peruanos chamam hoje de “leis pró-crime”, que beneficiaram aliados e limitaram a ação da polícia. A destituição de Boluarte foi apenas a válvula de escape de um sistema que troca de rostos para manter o mesmo arranjo.

O novo presidente, José Jerí, surge desse próprio circuito. Aos 38 anos, sem trajetória nacional e com acusações passadas de corrupção e abuso, ele promete um governo de transição voltado à segurança. É o oitavo presidente em dez anos, sinal de que a instabilidade virou método. O discurso linha dura encontra eco num país que registra alta de 13% nos homicídios e onde as extorsões e o narcotráfico se expandem na região metropolitana de Lima. A resposta imediata tem sido militarizar e decretar estados de emergência.

O paradoxo é que a crise política se dá num momento de bonança relativa. O PIB cresceu 3,4% no primeiro semestre, impulsionado pelos preços do cobre e pela entrada em operação do porto de Chancay, novo elo logístico entre a China e a América do Sul. Mas a prosperidade não chega às ruas: 70% dos trabalhadores estão na informalidade, e a desconfiança nas instituições beira 90%. O Peru vive um ciclo de prosperidade sem legitimidade.

As manifestações juvenis e sindicais das últimas semanas, reprimidas em Lima e Arequipa, mostram que o descontentamento não se limita à queda de Boluarte. É uma reação ao Congresso que opera como máquina de autoproteção e a um sistema que se recicla para não mudar. O país chega às eleições de abril de 2026 com 39 partidos registrados e nenhum candidato capaz de romper esse circuito de compromissos e impunidade.

Nascida em Chalhuanca, Apurímac, Boluarte poderia ter sido a voz do interior andino. Acabou como a presidente mais impopular da história, com menos de 2% de apoio. Optou por não comparecer à sessão que definiu sua vacância, num gesto que resumiu sua distância do país real.

Jerí herda uma nação fraturada e um Congresso em estado de rebelião permanente. Terá de mostrar em seis meses mais resultado que Manuel Merino em quatro dias —e sem repetir a coalizão de corrupção e proteção mútua que definiu o ciclo com o Congresso.

O Peru chega a mais uma transição sem horizonte. A democracia segue funcionando, mas o poder real não se move: está nas mesmas mãos, com novas assinaturas.


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