Quebra de sigilo de delação põe em risco benefícios a Cid sem afetar provas de trama golpista

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(FOLHAPRESS) – Dentre os argumentos das defesas de réus para tentar a anulação da colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, apenas uma eventual falta de voluntariedade do delator poderia prejudicar a utilização de provas e interferir no processo no STF (Supremo Tribunal Federal) que investiga a trama golpista de 2022, avaliam especialistas ouvidos pela Folha.

Esse cenário, porém, é considerado remoto no caso do militar, que tem reiterado publicamente a higidez do acordo.

As outras possibilidades -como eventuais omissões ou quebra de sigilo, com a divulgação de informações referentes à colaboração- teriam potencial de prejudicar apenas Cid, que pode perder seus benefícios.
A colaboração do militar tem sido contestada por advogados de acusados da trama golpista.

As defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), de quem Cid era ajudante de ordens, e do general Braga Netto pediram a anulação do acordo sob argumento de que Cid mentiu ao Supremo e contou detalhes de seus depoimentos a amigos.

O pedido foi inicialmente negado por Alexandre de Moraes, que citou a fase atual do processo, e pode ser analisado no julgamento final.

Também pediu a nulidade da delação a defesa de Marcelo Câmara, ex-assessor de Bolsonaro e réu no caso da trama golpista preso nesta quarta-feira (18) sob suspeita de obstrução de Justiça.

Nesse caso, a solicitação cita também possível quebra de voluntariedade do pedido e conta com fotos e áudios de conversas entregues à Justiça por seu advogado e que comprovariam a quebra do sigilo feita pelo delator. Mauro Cid nega que isso tenha ocorrido.

Também comporia prova de descumprimento da regra um perfil que, segundo a revista Veja, teria sido usado por Cid nas redes sociais para falar da delação, episódio questionado pela defesa de Bolsonaro durante interrogatório em 10 de junho no STF.

Para o advogado Rogério Taffarello, especialista em direito penal e sócio do Mattos Filho, o vazamento do áudio e das mensagens pode dar base para a perda dos benefícios de Cid.

“Deverá haver uma avaliação de proporcionalidade, [sobre se] isso é uma violação grave o bastante para a rescisão do acordo. Existe uma série de cláusulas, algumas cujas violações são menos relevantes, outras mais.”

Ricardo Yamin, doutor em direito pela PUC-SP, concorda que a quebra de sigilo pode ensejar a perda de benefícios combinados entre a Polícia Federal e Cid. O conteúdo da delação, entretanto, permaneceria intacto. O mesmo tenderia a acontecer se fosse comprovado que o militar mentiu.

A delação de Cid ajudou a fundamentar relatório da PF e denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) sobre a trama golpista, mapeando a participação de Bolsonaro e outros atores e fornecendo detalhes sobre questões como a minuta golpista e o plano Punhal Verde Amarelo, que previa o assassinato de Moraes, do presidente Lula (PT) e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB).

O acordo prevê ao tenente-coronel perdão judicial ou pena privativa de liberdade inferior a dois anos, assim como a restituição de bens e valores apreendidos. Também está prevista a extensão dos benefícios a familiares de Cid, bem como ação da PF garantindo segurança.

O caso de omissão no depoimento de Cid também poderia resultar em perda de benefícios, mas a prática jurídica tem sido de pedido de ajuste no depoimento do colaborador, aponta Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio. “Isso aconteceu com várias empresas na Lava Jato, como a Odebrecht e a Andrade Gutierrez”, diz.

Um cenário com falta de voluntariedade, porém, traria espaço para a anulação de provas, podendo impactar todo o processo. A possibilidade, entretanto, é considerada remota pelos especialistas ouvidos pela Folha pelo fato de o próprio colaborador ter repetido em depoimentos oficiais sua disposição.

Mauricio Stegemann Dieter, professor da Faculdade de Direito da USP, ressalta que Cid teve gravadas as suas tratativas de delação e que o conteúdo oficial sobre a indicação ou não de constrangimento ilegal é obtido nos encontros do militar com a Justiça, não em mensagens privadas.

“Qualquer pessoa disposta a fazer uma delação se sente pressionada, senão por que ela faria [um acordo de colaboração]? A pressão é inerente à delação”, afirma Dieter. “Não tem como supor a involuntariedade que retiraria a validade da delação a partir de um ‘desabafo’ “, diz ele em referência ao conteúdo de mensagens vazadas atribuídas a Cid.

Jordan Tomazelli, mestre em direito processual pela Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) e autor do livro “O jogo da colaboração premiada”, soma ao argumento o fato de que as mensagens divulgadas parecem sinalizar que o militar teve espaço para manter sua versão dos fatos, apesar de falar em pressão.

Ele cita como exemplo trecho de conversa em que Cid teria dito que, mesmo direcionado, não usou a palavra “golpe” em seu depoimento.

Para Luísa Walter da Rosa, mestre em direito do Estado pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e autora de livros sobre acordos penais e colaboração premiada, soma-se à improbabilidade de aceitação pela Justiça de pedido a favor de uma anulação o fato de que apenas as partes do acordo, ou seja, o próprio Cid e a Polícia Federal, poderiam questionar a voluntariedade.

“Uma coisa é o acordo de colaboração e outra é o seu conteúdo. Quem foi delatado ou mencionado nesse acordo não é parte dele. Não pode questionar a validade desse termo que foi realizado entre o Estado e a defesa”, afirma.

Já sobre a possibilidade futura de que o acordo caia, a exemplo de episódios ocorridos na Lava Jato, os especialistas citam que o cenário é mais improvável, embora, na opinião de alguns, possa ocorrer a depender de mudanças no tribunal ou no cenário político.

Para Dieter, as regras da colaboração premiada evoluíram desde os acordos firmados na Lava Jato, o que diminuiria essa probabilidade. Ele também destaca que, por estar sendo julgado diretamente pelo Supremo, não haveria no caso possibilidade de recurso a outra instância.

ENTENDA A DELAÇÃO PREMIADA E AS CRÍTICAS A SEU MODELO

O que é delação

A delação premiada, sancionada em 2013 na Lei das Organizações Criminosas, é um meio de obtenção de provas. O juiz pode, em troca de informações úteis para o processo, conceder uma série de benefícios aos delatores, como redução do tempo de prisão, substituição da pena ou mesmo o perdão judicial

Requisitos
Para isso, diz a lei, é preciso que a delação se traduza em resultados, como a identificação de outros envolvidos na organização criminosa, a revelação de sua estrutura hierárquica ou a prevenção de outros crimes

Alterações na lei
As delações premiadas foram modificadas pelo pacote anticrime sancionado em 2019, recebendo uma série de regras para homologação do instrumento, entre elas, a “voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares”

Críticas ao modelo
Quem critica o modelo alega haver risco dos colaboradores imputarem falsas acusações a terceiros na tentativa de conseguir o relaxamento da prisão; usado de forma recorrente na Operação Lava Jato, o presidente Lula (PT) foi um grande crítico dos acordos, e Dilma Rousseff (PT), quem sancionou a lei que previa o instrumento, lamentou a criação do que chamou de “arma de arbítrio.”

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