A mais recente cruzada de Donald Trump contra estudantes estrangeiros nos Estados Unidos atinge sobretudo a China e ameaça acelerar uma tendência iniciada ainda no primeiro mandato do republicano: desde o ano letivo 2019-2020, na contramão de outras nacionalidades, cada vez menos alunos do país asiático frequentam instituições de ensino americanas, o que sinaliza um afastamento sem precedentes.
O crescente desinteresse enfraquece o intercâmbio acadêmico e cultural que facilitou a compreensão mútua entre os países e foi um dos legados da normalização das relações entre Washington e Pequim, na década de 1970. Após o presidente americano Richard Nixon (1969-1974) visitar a China em 1972 com o objetivo de reaproximar o país comunista do Ocidente e de afastá-lo da União Soviética, o regime de Mao Tsé-Tung (1949-1976) concordou em enviar os primeiros estudantes aos EUA para aumentar os diálogos.
Desde então, os estudantes chineses têm mantido, por décadas, participação expressiva no sistema educacional dos EUA. No ano letivo 2023-2024, o mais recente com dados disponíveis, 1 em cada 4 alunos estrangeiros em solo americano era da China, segundo o Instituto de Educação Internacional.
A organização aponta que, naquele ano, os chineses ocupavam a segunda colocação na lista de estrangeiros mais presentes em instituições de ensino americana, com 277.398 alunos, atrás somente da Índia. Ainda que expressivo, o número é 34,2% menor do que o pico de 372.532 registrado em 2019-2020.
A diminuição destoa do registrado com alunos de outras nacionalidades. Todos os países enviaram menos estudantes aos EUA no ano letivo 2020-2021, quando a pandemia de Covid-19 teve início, mas parte deles retomou o patamar pré-crise sanitária já no ano seguinte. Mais recentemente, a Índia vem chamando a atenção devido ao crescimento acelerado de alunos do país em instituições americanas. Eram 331.602 indianos em 2023-2024, número 71,7% maior do que os 193.124 registrados em 2019-2020.
A explicação para a diminuição do número de alunos chineses nos EUA está diretamente relacionada às acusações e aos ataques feitos por Trump ao país. Em 2018, ainda no primeiro mandato do republicano, a Casa Branca já tinha avaliado interromper a concessão de vistos de estudante para cidadãos chineses como parte de uma estratégia para bloquear supostas atividades de espionagens feitas por Pequim.
No atual mandato, Trump ampliou suas ofensivas contra alunos internacionais e assinou decretos para restringir sua entrada no país. A medida é ainda uma forma de retaliar universidades acusadas pelo presidente de ter tolerado manifestações antissemitas em seus campi —estrangeiros são importante fonte de renda para as instituições.
O foco do republicano continua sendo a China: ao proibir no começo do mês a entrada nos EUA de novos alunos estrangeiros admitidos pela Universidade Harvard, ele justificou a medida acusando o país asiático de usar visitantes para “coletar informações” de forma indevida em instituições de elite americanas —o decreto foi suspenso de forma temporária por uma juíza federal.
Depois, Trump disse ter chegado a acordo para que a China forneça minerais de terras raras, essenciais para a indústria americana, em troca da liberação do acesso de alunos chineses às universidades.
Ainda que os estudantes chineses sejam os alvos principais, os embates de Trump com as universidades criaram sensação de insegurança generalizada. Dados da Studyportals, que lista programas de graduação e pós-graduação em todo o mundo, mostram que as pesquisas por instituições americanas em suas plataformas caíram para o nível mais baixo desde o auge da pandemia.
Segundo a organização, a demanda pelos EUA de todos os estudantes, que é medida em visualizações de página para programas americanos, caiu 23,4% de janeiro, quando Trump assumiu, a maio.
“Se as tendências atuais continuarem, projetamos que a demanda por estudantes nos EUA poderá cair mais de 70% em relação a 2025”, diz Andrew Ness, vice-presidente sênior de análise e consultoria para a América do Norte da Studyportals. Em contrapartida, a plataforma registrou aumento nas buscas para instituições em países concorrentes dos EUA, caso do Reino Unido e da Austrália.
Somados, estudantes da China e da Índia representaram mais da metade (54%) dos alunos estrangeiros nos EUA em 2023-2024. Em terceiro lugar aparece a Coreia do Sul, outro país asiático que historicamente ocupa o pódio da lista, ainda que distante dos líderes: 43.149 estudantes (3,8%) eram sul-coreanos.
O Canadá (2,6% do total) está na quarta colocação, e Taiwan (2,1%), na quinta. O Brasil, na nona posição, é o país latino-americano com mais alunos nos EUA: foram 16.877 registrados, o que representou 1,5% do total. Vietnã (2%), Nigéria (1,8%) Bangladesh (1,5%) e Nepal (1,5%) completam a lista dos dez países com mais alunos em universidades americanas em 2023-2024.
Estudantes estrangeiros, em sua maioria, pagam por completo as altas mensalidades das universidades americanas —ajudando, inclusive, a subsidiar bolsas para americanos de baixa renda. No longo prazo, mais do que as instituições, as medidas de Trump devem impactar a economia, dizem especialistas. Segundo a Associação de Educadores Internacionais (Nafsa, na sigla em inglês), os alunos estrangeiros contribuíram com US$ 44 bilhões e ajudaram a criar 378 mil postos de trabalho apenas em 2023-2024.
Somente os estudantes chineses injetaram nos EUA US$ 14,3 bilhões no período, segundo relatório da organização Open Doors, do Instituto de Educação Internacional. Os indianos, US$ 11,8 bilhões. Já o impacto dos alunos brasileiros foi estimado em US$ 973 milhões.
E os danos causados pelas restrições impostas pelo governo Trump se estendem ao mercado de trabalho. Mais da metade das startups americanas já consolidadas foram fundadas por pelo menos um imigrante, e um quarto tem um fundador que chegou como estudante, segundo a revista The Economist.
“Se os líderes e formuladores de políticas do ensino superior não agirem, correm o risco de perder não apenas talentos, mas também a inovação, a pesquisa e a vitalidade econômica que os estudantes internacionais geram”, afirma Fanta Aw, diretora-executiva da Nafsa.
Segundo o Instituto de Educação Internacional, o número de alunos estrangeiros matriculados em faculdades americanas atingiu um recorde de 1,1 milhão em 2023-24, cerca de 6% do total de estudantes.