Não é necessário pensar muito para chegar à conclusão de que não há, no cenário político atual, um estadista do tamanho de Winston Churchill (1874-1965), primeiro-ministro do Reino Unido de 1940 a 1955.
Um exemplo ilustrativo: Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, recebeu em 5 de junho o premiê alemão, Friedrich Merz. Este fez uma menção agradecida a Washington, lembrando o aniversário do Dia D [desembarque das forças antinazistas na Normandia], que seria no dia seguinte.
Trump, então, respondeu com total falta de sensibilidade histórica: “Não deve ter sido um dia bom para vocês”. Merz, visivelmente constrangido, respondeu: “Na verdade, foi um episódio muito importante, no qual vocês nos ajudaram a nos livrar da ditadura nazista“, tendo que ensinar a Trump a aula de historia que ele parece ter perdido, aquela que conta que a Alemanha superou o trauma deixado pelo regime comandado por Adolf Hitler.
É difícil imaginar como seria o mundo hoje se os membros da Aliança não tivessem derrotado o führer na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Mas é possível afirmar que, se não fosse por Winston Churchill, os pilares democráticos e do Estado de Direito estariam fortemente impactados.
Este episódio essencial da Segunda Guerra é exposto no documentário “Churchill at War”, disponível na Netflix.
A série é um retrato vívido da trajetória de Churchill à frente do Reino Unido. O primeiro trunfo é visual, um acervo impressionante de imagens restauradas e colorizadas que mostram como Churchill conseguiu, com discursos veementes e um tanto poéticos, mobilizar os britânicos contra a causa nazista.
O filme nos traz imagens inéditas dos londrinos se abrigando nas estações de metrô e passando por mil dificuldades durante os 57 dias em que Londres e arredores foram vítimas de bombardeios.
Entre os entrevistados para o documentário estão Boris Johnson (ex-premiê), George W. Bush (ex-presidente dos EUA) e historiadores e analistas, que não se recusam a afirmar que o legado de Churchill ainda está sob ameaça.
Um recurso utilizado na série é muito interessante, o uso da inteligência artificial na criação da voz de Churchill como narrador. Baseada em uma fonte de 11 milhões de palavras proferidas ou escritas por ele —historiadores afirmam que Churchill escreveu mais que Charles Dickens e William Shakespeare juntos—, a voz é envelhecida digitalmente, soando como se viesse de um arquivo empoeirado. O efeito é notável, temos ninguém menos que o próprio Churchill contando sua história.
As dramatizações feitas com o ator Christian McKay mostram as excentricidades e os arroubos de Churchill girando em torno de seus estereótipos, o charuto na boca, seu encanto em estrear uniformes militares diferentes em cada ocasião e as sessões tensas nas quais enfrentou o Parlamento britânico.
O documentário cumpre sua função, a de mostrar como, diante do maior desafio de seu tempo, Churchill foi inabalável, levantou o espírito dos britânicos para que se somassem a ele na confrontação com o nazismo e resistiu a pressões internas para tentar negociar uma saída derrotista ante Hitler.
Em um momento em que líderes autoritários ressurgem em várias partes do mundo, a lição de Churchill permanece atual. Não há negociação possível com ideologias que defendem a eliminação do outro. O documentário alerta contra o fim da memória e serve como homenagem a um estadista que entendeu, como poucos, que a liberdade exige uma intransigência moral.