Penny Wong, ministra das Relações Exteriores da Austrália, prefere falar sobre seu trabalho, não sobre si mesma. Questionada sobre como foi estar nos Estados Unidos em 20 de janeiro, ouvindo o discurso inaugural de Donald Trump contra a política woke (termo usado de forma pejorativa por conservadores para se referir à agenda de diversidade e igualdade), a primeira pessoa gay e asiática-australiana a ocupar o cargo responde evocando outra identidade. “Sou parlamentar”, diz ela, “então a transferência pacífica de poder na superpotência mundial foi um evento bastante comovente.”
A resposta de Wong revela a astúcia política e o raciocínio rápido que a tornaram a ministra mais popular do atual governo australiano, reeleito com uma vitória esmagadora nas eleições gerais de maio, além de ser considerada a ministra das Relações Exteriores mais influente da Austrália em uma geração.
O primeiro-ministro Anthony Albanese, do Partido Trabalhista, tem pouco interesse por questões geopolíticas, deixando esse campo para Wong e para o ministro da Defesa, Richard Marles.
Mas a popularidade de Wong e seu domínio sobre os temas sob sua responsabilidade fazem dela a voz mais importante para os assuntos relacionados a grandes questões estratégicas.
Quando o Partido Trabalhista voltou ao poder, em 2022, Wong herdou um cenário problemático. O governo anterior, uma coalizão conservadora, havia adotado uma postura fortemente hostil à China, que por sua vez deixou de comprar produtos australianos e de atender ligações de seus ministros.
Mais preocupante ainda, a China havia assinado um acordo de segurança com as Ilhas Salomão, localizadas ao norte da Austrália, e buscava firmar novos pactos com outros Estados insulares insatisfeitos com a recusa do governo anterior em levar a sério as mudanças climáticas.
Assim, a melhora nas relações com os países da região tem sido a principal conquista de Wong —e o mais impressionante é que isso foi alcançado principalmente com sua diplomacia pessoal, sem mudanças substanciais na política externa. Um intenso cronograma de viagens no primeiro ano de mandato levou Wong a visitar 18 Estados insulares do Pacífico e todos os países do Sudeste Asiático, com exceção de Mianmar.
A China gradualmente suspendeu todas as restrições comerciais impostas ao governo anterior, mas a Austrália continuou a cooperar estreitamente com os Estados Unidos para conter as ambições regionais chinesas.
Boa parte disso se deve ao vínculo que ela estabeleceu com seus colegas asiáticos. Wong nasceu na Malásia, filha de pai chinês e mãe australiana. Ela diz que começou a falar mais sobre essa herança agora porque deseja que a Ásia enxergue a sociedade multicultural que a Austrália se tornou.
Wong foi apenas a segunda asiática-australiana eleita para o Parlamento, em 2001. Mas, como ela destaca, hoje há mais de uma dúzia em exercício. Nem sua identidade sexual tem sido um obstáculo.
As habilidades diplomáticas de Wong serão postas à prova neste segundo mandato. A Austrália enfrenta um cenário internacional mais difícil do que nos primeiros três anos do governo trabalhista. A China continua a intimidar seus vizinhos.
Mas agora o Pentágono exige que a Austrália aumente drasticamente seus gastos militares e se comprometa a lutar ao lado dos Estados Unidos caso haja um conflito com a China. Muitos australianos consideram isso uma afronta à soberania.
Críticos dizem que Wong não tem feito o suficiente para preservar a aliança com os Estados Unidos. Ela se reuniu duas vezes com Marco Rubio, o secretário de Estado, mas fora isso o governo parece manter distância do governo Trump.
Em discurso proferido em 10 de julho, em Kuala Lumpur, Wong destacou as divergências entre Austrália e EUA no comércio. Questionada se teme que esse tipo de declaração provoque retaliações, ela dá de ombros: “Acho que temos de ser quem somos.”