Friedrich Merz completa nesta semana cem dias como primeiro-ministro da Alemanha em meio a um balanço político turbulento. Ele enfrenta forte oposição, inclusive entre aliados, além de uma crescente impopularidade entre os eleitores.
Uma pesquisa recente mostra Merz em seu pior momento desde o início de seu mandato. Apenas 32% dos alemães disseram estar satisfeitos com seu desempenho, e somente 29% o consideram um bom gestor de crises. Ao mesmo tempo, o partido de extrema direita AfD está ganhando popularidade.
As críticas a Merz vêm inclusive de dentro da própria União Democrata-Cristã (CDU), partido que ele lidera. Na semana passada, o premiê surpreendeu ao decidir interromper a venda de armas para Israel —Berlim é um dos aliados mais próximos de Tel Aviv, mas a decisão ocorreu diante da crescente pressão sobre o governo alemão no contexto da crise humanitária na Faixa de Gaza.
“Nessas circunstâncias, o governo alemão não autoriza, até novo aviso, exportações de equipamentos militares que possam ser utilizados na Faixa de Gaza”, escreveu Merz em comunicado oficial. Foi o posicionamento mais claro até agora de distanciamento da Alemanha em relação à condução da guerra por parte de Israel. Dias antes, Berlim reiterou que não pretende reconhecer um Estado palestino, na contramão de outros países europeus.
Com a suspensão da exportação de armas, Merz fez uma concessão diante das crescentes críticas ao apoio contínuo da Alemanha ao governo israelense —inclusive dentro da coalizão governista, com o partido de centro-esquerda SPD. Mas ele também acabou sendo duramente criticado por seus próprios correligionários.
Não só Binyamin Netanyahu escreveu em publicação no X que a “Alemanha está recompensando o terror do Hamas” com o embargo. Aliados da liderança da CDU não concordam com Merz e dizem que foram deixados de lado na decisão.
O líder da ala jovem da CDU, Johannes Winkel, escreveu no X que Merz havia abdicado “dos princípios de seu país”, em referência à importância histórica que a Alemanha atribui à defesa de Israel.
A CSU, partido-irmão da CDU na Baviera, também se manifestou contra Merz, bem como figuras proeminentes da legenda —entre elas o governador do estado de Hesse, Boris Rhein, o prefeito de Berlim, Kai Wegner, e o líder da CDU em Hamburgo, Dennis Thering.
Em publicação nas redes, Thering escreveu: “Os radicais islâmicos comemoram, Israel é exposto publicamente e parceiros internacionais estão confusos. A forma como essa decisão foi comunicada também deixa muito a desejar.”
Até mesmo Jens Spahn, líder da bancada da CDU no Parlamento e aliado próximo de Merz, classificou a decisão apenas de defensável. Para muitos dentro do partido, a maior insatisfação parece ser o fato de Friedrich Merz ter tomado uma medida em uma área tão sensível da política alemã sem consultar a legenda. “Se ele continuar nesse caminho, o governo não chega até o Natal”, afirmou ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung um dirigente de alto escalão da CDU, sob condição de anonimato.
Em entrevista à televisão alemã, Merz se defendeu: “Não tomei essa decisão sozinho, mas, no fim das contas, é uma decisão pela qual eu tenho de assumir sozinho a responsabilidade. E eu a assumo sozinho.”
Apesar da controvérsia, políticos e analistas da imprensa alemã saíram em defesa do direito do primeiro-ministro de agir mesmo sem respaldo unânime do governo. Relembra-se o caso de Angela Merkel, que em 2015 tomou uma decisão histórica e igualmente polêmica ao optar por não fechar as fronteiras da Alemanha, permitindo a entrada de centenas de milhares de refugiados.
É um erro acusar Merz de ter traído Israel, afirmou a líder do SPD, Bärbel Bas. Já Tino Chrupalla, líder do partido de extrema direita AfD, criticou a falta de autoridade do primeiro-ministro: “Ele não consegue unir nem seu governo nem sua própria bancada, a CDU está completamente dividida sobre essa questão.”
Para Merz, a crise atual é apenas uma entre várias. Nas últimas semanas, sua coalizão se dividiu em torno da indicação de uma candidata para a Suprema Corte alemã. O setor mais conservador da CDU conseguiu barrar a escolha, levando à desistência da indicada.
Netanyahu, por sua vez, disse a jornalistas estrangeiros em Jerusalém no domingo (10) que Merz é “um bom amigo de Israel”, mas que teria cedido à pressão da opinião pública e a “reportagens distorcidas na televisão”.