Apesar do desenvolvimento diferente de suas polícias ao longo do tempo, as capitais do Brasil e dos Estados Unidos compartilham o mesmo histórico de ingerência e intervenções dos Poderes federais na sua segurança pública.
Com o tema de volta ao noticiário por causa da tomada de controle de Donald Trump da polícia do Distrito de Colúmbia (onde fica Washington), a história mostra como a nomeação de chefes das polícias esteve no centro da concepção de que os distritos federais dos dois países deveriam ter autonomia reduzida por serem a capital.
Criado meses após o início da Guerra Civil americana, em 1861, o Departamento de Polícia Metropolitana de Washington foi baseado nas experiências de Nova York e de Londres. Em 1874, o Congresso do país criou uma comissão formada por três membros, escolhidos pelo presidente, para gerir a cidade —na prática, deixando na mão do chefe do Executivo federal a palavra final sobre os nomeados para chefiar a segurança pública na capital.
Esse modelo durou até 1973, quando a Lei de Autonomia instituiu eleições em Washington e passou às mãos das Prefeitura o controle da segurança pública. A exceção ficou estabelecida na seção 740 da legislação, que permite ao presidente tomar o controle da polícia da capital por até 30 dias em situações que julgar emergenciais, prorrogáveis apenas com autorização do Congresso. É com base nela que Trump agiu.
No Brasil, a subordinação da segurança pública da capital ao poder central vem do período imperial e atravessou os diferentes períodos históricos seguintes com mais ou menos ingerência, mas sem autonomia, conquistada na Constituição de 1988.
Com a Proclamação da República, os serviços de polícia passaram a ser organizados por leis estaduais em cada estado da Federação; o chefe de polícia no Distrito Federal, então no Rio de Janeiro, no entanto, manteve-se sob indicação do presidente.
Os diversos presidentes da Primeira República (1889-1930) fizeram nomeações e reorganizações da força policial do Distrito Federal que refletiam a predisposição de cada um por maior ou menor interferência. Floriano Peixoto (1891-1894), por exemplo, rompeu com a tradição vinda do Império de nomear pessoas ligadas à Justiça e indicou um militar; Rodrigues Alves (1902-1906) reformou o serviço policial da capital, dividindo-o em civil e militar, em 1902, e deixando a nomeação a cargo do ministro da Justiça.
Em 1944, no fim do Estado Novo (1937-1945), Getúlio Vargas muda o nome da então Polícia Civil do Distrito Federal para Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP). O novo departamento ganha como atribuições os “serviços de polícia e segurança pública e, no território nacional, os de polícia marítima, aérea e segurança de fronteiras” —embrião do que viria a se tornar a Polícia Federal.
Getúlio, portanto, ampliou as atribuições da força policial do Distrito Federal, em um momento de crescimento do debate nacional sobre a ditadura —algo que se aprofundou nos meses seguintes com a anistia a presos políticos e a fundação de partidos políticos, até então proibidos, e após a participação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra Mundial.
No fim de outubro de 1945, Getúlio nomeou seu irmão, Benjamim Vargas, para chefiar a polícia do Distrito Federal —Benjamim era chefe da guarda pessoal do irmão. Em um momento em que a oposição e os militares desconfiavam das pretensões de Getúlio de se aferrar ao poder apesar das eleições previstas para dezembro daquele ano, a nomeação foi a gota d’água para comandantes militares, que destituíram o ditador em seguida.
Durante a construção de Brasília, o policiamento foi feito pela Guarda Especial de Brasília (GEB), que estava subordinada a um departamento regional da polícia de Goiás, estado que cedeu território para o futuro DF e a nova capital.
A partir da instituição de Brasília como capital, em 21 de abril de 1960, o DFSP muda-se para o Planalto Central e é criado o Serviço de Polícia Metropolitana, ainda subordinado ao ministro da Justiça e Negócios Interiores. Houve ainda tentativas de criação de uma polícia unificada no DF, mas esses movimentos provisórios foram extintos nos primeiros anos da ditadura militar.
Durante o período, novas reorganizações foram dando corpo à divisão das forças de segurança como conhecemos hoje, divididas em Polícia Civil, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros e outras funções, ainda que com diferenças de atribuições e, novamente, sem autonomia.
Os comandantes eram nomeados pelo então prefeito do DF, equivalente ao cargo atual de governador, mas à época nomeado pela ditadura, e ficavam subordinados à Secretaria de Segurança Pública, também sob indicação federal.
O cenário muda com a Constituição de 1988, quando o Distrito Federal recebe autonomia para eleger seu governador. A partir de então, as forças de segurança do DF ficam sob ordens do governador, e intervenções federais só são permitidas em casos vistos como excepcionais.