Em campanha aberta para repetir Barack Obama e ganhar um Prêmio Nobel da Paz de forma discutível, Donald Trump adotou um novo bordão nos últimos dias: “Eu resolvi seis guerras em seis meses”.
Será? Uma análise rápida dos conflitos que o republicano diz ter solucionado, lista à qual ele adicionou sem nomear uma sétima guerra durante entrevista nesta terça-feira (19), mostra que é preciso muita boa vontade para comprar a imagem de “presidente da paz” que ele pôs à venda.
O que há é um misto de bravata, distorção e, sim, verdade defensável em dois casos.
O verniz pacifista de Trump tem sido testado à prova desde a véspera de sua posse, em 20 de janeiro, quando seu enviado Steve Witkoff arrancou de Israel um cessar-fogo provisório com o Hamas em Gaza. Fracassou e abriu a porta do tenebroso capítulo da crise humanitária na região, que agora talvez chegue a um desfecho negociado.
Ainda mais importante é a Guerra da Ucrânia, aquela que Trump disse que encerraria em 24 horas e, depois, pediu para esquecerem o chiste. Após idas e vindas, houve grande movimentação na última semana, o que não significa nem que haverá paz, nem que ela será justa.
Em três dias, reuniu-se com Vladimir Putin no Alasca e com Volodimir Zelenski, escoltado por seis líderes europeus temerosos do alinhamento do americano ao russo, em Washington. Agora, trabalha para reunir os rivais, tendo avalizado a partilha da Ucrânia. Se vai dar certo, nem ele diz saber.
A seguir, um comentário sobre os seis, aliás sete, conflitos que Trump disse ter solucionado —merecendo, segundo ele, não só o Nobel, mas “ir para o céu”.
ÍNDIA E PAQUISTÃO
O que aconteceu – Em maio, os rivais nucleares travaram uma guerra rápida na sua contestada fronteira.
O que Trump diz – “Eles vêm lutando por cerca de milhares de anos, mas eu acertei as coisas”, disse, ressaltando o caráter atômico potencial do conflito e o pouco apreço por história —Índia e Paquistão lutam desde a partilha de 1947.
Foi isso mesmo? – O governo indiano negou qualquer envolvimento dos EUA, e de todo modo a tensão com o vizinho segue. Eles disputam o controle da Caxemira e outras regiões fronteiriças.
ISRAEL E IRÃ
O que aconteceu – Em junho, Israel decidiu atacar o arquirrival, na esteira das guerras do 7 de Outubro, para inabilitar suas capacidades militares e seu programa nuclear.
O que Trump diz – Ele entrou na guerra com ataque contra centrais nucleares do Irã. “Nós acabamos em 12 dias com uma guerra que estava fervendo por 30 anos”, disse, errando as contas: Teerã é rival de Tel Aviv desde a revolução islâmica de 1979.
Foi isso mesmo? – O programa nuclear iraniano foi atrasado, mas não destruído. Nada sugere o fim da hostilidade entre os países, ao contrário, e conflitos futuros podem ser inevitáveis.
RUANDA E REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO
O que aconteceu – Em 2022, Ruanda enviou tropas para apoiar o movimento M23, que combate o governo congolês e busca controle de áreas de produção mineral.
O que Trump diz – Promoveu acordo, em junho na Casa Branca, para Ruanda tirar suas forças do vizinho em 90 dias. “Nós acabamos de encerrar uma guerra que ocorria há 30 anos, com 6 milhões de mortos”, disse na ocasião, somando incorretamente números das guerras civis congolesas.
Foi isso mesmo? – O conflito entre os vizinhos acaba, caso ninguém rompa o acordo. Mas o M23 não fez parte das negociações, o que sugere a continuidade da guerra em termos domésticos.
EGITO E ETIÓPIA
O que aconteceu – Há uma disputa acerca da maior hidrelétrica da África, que será inaugurada em setembro no rio Nilo na Etiópia. O Egito diz que a obra irá roubar água do rio, vital para o país.
O que Trump diz – Apesar de incluir uma guerra inexistente na sua contabilidade, Trump nem tampouco agiu. Em 14 de junho, apoiou os egípcios na disputa e disse que ela iria ser “resolvida rapidamente”.
Foi isso mesmo? – Não, o problema continua.
SÉRVIA E KOSOVO
O que aconteceu – Belgrado não reconhece Kosovo, área de maioria albanesa extirpada de seu território após uma guerra promovida pela Otan em 1999. Há escaramuças fronteiriças e risco de escalada.
O que Trump diz – Em 27 de junho, o americano disse que acabara de evitar uma guerra entre os vizinhos. “A Sérvia estava se preparando para ir à guerra com um grupo. Eu não vou nem mencionar, porque não aconteceu, e nós fomos capazes de impedir”, disse.
Foi isso mesmo? – Não há registro de que houvesse tal risco ou da ação americana.
TAILÂNDIA E CAMBOJA
O que aconteceu – No fim de julho, mais uma rodada de combates entre tailandeses e cambojanos irrompeu em áreas disputadas de fronteira, inclusive com ataques aéreos por parte de Bangkok. Houve um cessar-fogo.
O que Trump diz – Trump colocou a trégua na sua conta de “guerras resolvidas” e a atribuiu somente à promessa dupla de acordos tarifários favoráveis.
Foi isso mesmo? – Isso seria falso em si, e esquece o reconhecimento do próprio Departamento de Estado ao papel da Malásia, que conduziu as negociações de paz, e a pressão chinesa. E o motivo da briga segue valendo: 800 km de fronteiras contestadas.
AZERBAIJÃO E ARMÊNIA
O que aconteceu – Em duas guerras, em 2020 e 2023, Baku tomou para si o enclave armênio de Nagorno-Karabakh. Agora, pressionava por um corredor ligando seu território a um exclave seu no oeste da Armênia,.
O que Trump diz – Aqui houve papel central dos EUA, que trouxe os líderes rivais para assinar um acordo de paz em agosto. Ele prevê que os americanos irão implementar o tal corredor, chamado de Rota Trump, ligando o Azebaijão ao território de Nakhchivan e aos aliados turcos.
Foi isso mesmo? – Por ora, sim, mas há questões não resolvidas entre os vizinhos no Cáucaso, como áreas ocupadas de lado a lado nas fronteiras.