A área do continente africano equivale a 14 vezes a da Groenlândia. Mas não é isso que vemos no mapa. Aquele mapa-múndi mais conhecido, estampado em livros e em paredes escolares, mostra a Groenlândia e todo o continente africano como se tivessem o mesmo tamanho.
A projeção de Mercator, criada no século 16, tinha o objetivo de ajudar navegadores europeus a traçar rotas. Isso porque as linhas de rumo –arcos que cruzam os meridianos no mesmo ângulo– foram transformadas em retas. E o que era funcional para as caravelas invadirem territórios e para os tumbeiros traficarem pessoas se tornou referência universal.
Regiões próximas aos polos ficaram com dimensões exageradas, enquanto África e América do Sul foram reduzidas. A forma de projetar o mundo que serviu a interesses coloniais e racistas molda, ainda hoje, a maneira como o Sul é percebido no imaginário global.
No último 14 de agosto, a União Africana, que reúne 55 países, endossou oficialmente a campanha “Correct The Map” (Corrija o Mapa, em português). Criada pelas organizações África No Filter e Speak Up Africa, a iniciativa propõe que escolas, meios de comunicação e demais instituições passem a adotar a projeção Equal Earth, lançada em 2018, que apresenta os continentes em proporções mais reais.
Para a turma do mimimi, explico que mapas não são neutros. Além de representações, são instrumentos de poder por consolidar visões de mundo e legitimar hierarquias políticas e econômicas. Ao reduzir a África a uma fração de seu tamanho, a projeção mais conhecida do que é o mundo consolida a ideia de que o continente é menos relevante do que de fato é.
A Equal Earth não elimina todas as distorções. Elas são inevitáveis quando se representa um globo tridimensional em um mapa. Porque não, a Terra não é plana. E com as tecnologias digitais, temos possibilidades de representar o mundo com mais rigor.
No último 22 de agosto, o jornal britânico The Guardian destacou em seu editoral: “A projeção de Mercator nasceu, sem dúvida, das prioridades europeias em uma era de império. Continuar a usá-la como projeção padrão é certamente perpetuar essas prioridades”. Se o mapa é um desenho de poder, redesenhá-lo pode transformar também a imaginação política do futuro.
Debate parecido aconteceu no Brasil, em maio deste ano, quando o IBGE lançou um mapa-múndi invertido, com o Sul no topo. É mesmo tempo de repensar nosso tamanho e lugar no mundo.
E para quem tem dificuldade de compreender essa necessidade, recomendo a leitura do romance “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves, a primeira mulher negra eleita para a Academia Brasileira de Letras. O sequestro e a travessia forçada de Kehinde, protagonista da obra, narrados em primeira pessoa, podem ajudar a perceber a violência das navegações e do tráfico transatlântico.
Um mapa que, além de equivocado, é parte da engrenagem que hierarquizou seres humanos pela cor de pele, escravizou, desmatou e saqueou, com consequências vividas ainda hoje nas desigualdades mundiais, precisa ser substituído. Registrar histórias não contadas e novas representações cartográficas são parte da construção de uma necessária nova ordem mundial.