A partir de terça-feira (23), depois de cruzarem um corredor de carpete verde-água ladeado por bandeiras, chefes de Estado e principais representantes diplomáticos de todos os países do mundo entrarão no amplo plenário às margens do East River, em Manhattan, para proferir seus discursos no debate geral de alto nível da Assembleia-Geral da ONU.
O conclave diplomático tem peso simbólico desde meados do século passado. Com a criação da ONU e a definição de sua sede nos Estados Unidos, o eixo do poder diplomático deslocou-se de Genebra para Nova York, consolidando a cidade como uma das capitais centrais das negociações geopolíticas.
Embora os trabalhos da Assembleia tenham começado oficialmente em 9 de setembro (e uma importante resolução reconhecendo o Estado palestino tenha sido adotada), é no debate geral que os olhos do mundo se voltam para Nova York. Cada fala é cuidadosamente calibrada para expor a leitura dos países sobre o estado das relações internacionais e suas projeções.
Trata-se de uma articulada mensagem que pretendem enviar não apenas às outras nações soberanas, mas também a diferentes setores no interior dessas nações —e cada sinal será minuciosamente analisado para calibrar os próximos movimentos estratégicos no tabuleiro global.
Em 2025, porém, o encontro se dá em meio a uma comunidade internacional fraturada: posições opostas dividem países sobre a guerra na Ucrânia, o conflito em Gaza, o recrudescimento de unilateralismos econômicos e o descaso com o clima.
Outros problemas continuam na agenda: o conflito no Sudão, as migrações internacionais e a regulação da inteligência artificial são exemplos da pluralidade de temas que necessitam de cooperação internacional para serem satisfatoriamente resolvidos.
A expectativa de reconhecimento expresso da Palestina por chefes de Estado que antes não o faziam tende a atrair ainda mais atenção para crimes cometidos em seu território. Reconhecimento não é gesto meramente simbólico: traz implicações diplomáticas e jurídicas e impacta o futuro do Oriente Médio.
Não por acaso, o governo do país anfitrião anunciou que não garantiria vistos a uma série de autoridades palestinas —em contraste com compromissos assumidos desde a fundação da sede. A depender do andar da carruagem, inclusive o Brasil poderá acionar os instrumentos da organização sobre a questão dos vistos.
A incapacidade do mundo de encontrar consensos para solucionar problemas fala menos do insucesso da ONU do que da vontade política de seus membros. Uma organização composta por Estados depende dos governantes destes para que novos compromissos sejam assumidos. A paralisia do Conselho de Segurança para lidar com problemas envolvendo paz e segurança internacionais é apenas a amostragem mais evidente dessa divisão.
Ainda assim, ao atravessarem o carpete verde-água, há algo de extremamente estratégico nas manifestações dos representantes dos Estados. Trata-se da sua tomada de posição em relação à divisão. Mesmo as omissões podem ser absolutamente eloquentes na diplomacia.
Fora de Nova York, outros lugares parecem ser um bom ponto de encontro de discussão de interesses e visões de mundo. Não parece ser mera coincidência que, em Pequim, a liderança chinesa tenha reunido uma miríade de chefes de Estado para discutir assuntos regionais na Organização de Cooperação de Xangai. Também na capital do país, dias depois se reuniram diferentes representantes para uma comemoração que recorda alguns dos valores comuns que deram origem à ordem internacional de 1945.
É prematuro decretar a mudança do eixo diplomático e geoestratégico, mas o mundo, dividido, move-se. No Debate Geral da Assembleia-Geral da ONU, as falas dos principais emissários de cada país devem ajudar a decifrar esse movimento: que forças o impulsionam e em que direção aponta.