Donald Trump detesta ser alvo de piadas; por isso, seu assessor aproveitou um pretexto insignificante para tirar Jimmy Kimmel de seu programa de TV. O presidente dos Estados Unidos está cansado de ser criticado quando deveria ser festejado; por isso, seus advogados processaram o The New York Times em uma ação de US$ 15 bilhões.
Ele vê tudo como uma luta; por isso, sua equipe quer que aliados ricos comprem o controle da filial americana do TikTok de sua controladora chinesa. Esses embates alarmantes fazem parte de uma guerra contra a mídia americana. No entanto, Trump dificilmente obteve um sucesso retumbante. Kimmel está de volta ao ar; um juiz federal rejeitou o processo contra o NYT; e quem sabe quão obedientes serão esses magnatas multimilionários.
Não deveria ser necessário dizer isso na terra da Primeira Emenda, mas uma imprensa covarde leva inexoravelmente à corrupção desenfreada, a um governo ruim e a eleitores cínicos e insatisfeitos. Em um país onde as eleições são vencidas por pequenas margens, mesmo uma mídia parcialmente intimidada ou capturada pode inclinar a balança.
No entanto, querer algo não é o mesmo que conseguir. Como Kimmel e os demais mostram, dominar a mídia extensa e difícil de controlar dos EUA e os cidadãos cheios de opiniões será difícil.
O desejo de Trump de controlar o que as pessoas veem e leem sobre ele é óbvio. Ele parece menos motivado pela reclamação conservadora —outrora justificada— de que grande parte da mídia americana tinha um viés moderadamente esquerdista, e mais pelo fato de que anseia por atenção e espera cada vez mais que atenção signifique adulação. Seu pessoal prova sua lealdade esforçando-se para garantir que ele a receba.
Eles têm algumas armas formidáveis. Uma delas é uma especialidade de Trump: intimidação e ameaças. O Wall Street Journal também foi processado por uma reportagem exclusiva sobre Trump e um criminoso sexual morto, Jeffrey Epstein. O mesmo aconteceu com o Des Moines Register, por uma pesquisa realizada pouco antes das eleições de 2024, que mostrava Trump perdendo a votação em Iowa.
O Pentágono está restringindo a liberdade dos correspondentes de reportar, sob pena de perderem suas credenciais. A Disney foi atacada por Brendan Carr, chefe da Comissão Federal de Comunicações (FCC). Gostando do que viu, Trump sugeriu então que as redes de televisão que o criticam deveriam perder suas licenças.
Esses casos são fracos do ponto de vista jurídico, mas podem ter um efeito assustador, pois são caros de se defender. Em 2008, 92% dos cem maiores jornais dos EUA em circulação endossaram um candidato à Presidência. No ano passado, três quartos não o fizeram.
Outra arma é a propriedade. Trump é o primeiro presidente americano a ter seu próprio serviço de notícias, a Truth Social. A Hungria, sob o comando de Viktor Orbán, mostra como empresários amigos podem reforçar as notícias “oficiais”, seja por convicção ou pelo desejo de trocar cobertura favorável por vantagens comerciais. O X é propriedade de Elon Musk, que fez campanha para Trump.
Parece provável que o TikTok passe para o controle de outros aliados, incluindo os Ellisons e os Murdochs. A compra da Paramount e, potencialmente, da Warner Bros Discovery por David Ellison também lhe daria controle sobre a CBS e a CNN.
E uma última arma é o uso de pontos de pressão. Duas redes, ABC e CBS, chegaram a um acordo em processos judiciais multimilionários com Trump, porque temiam a retaliação dos reguladores, que poderia custar-lhes bilhões de dólares.
Imagine que a Alphabet (dona do Google) e a Meta fossem induzidas por uma promessa ou ameaça aos seus negócios de inteligência artificial a garantir que o YouTube e o Instagram se inclinassem para o Maga. Com o destino da empresa em jogo, elas não teriam o dever, diante de seus acionistas, de entrar na linha?
Tudo isso é preocupante, mas Trump não é tão forte quanto parece. As notícias da televisão obcecam o idoso com o controle remoto na Casa Branca, mas são vulneráveis principalmente porque são uma indústria em declínio. Fora da temporada de debates, a CBS é a principal fonte de notícias políticas para apenas 3% dos americanos.
Os conglomerados de mídia estão focados na guerra do streaming —uma das razões pelas quais a Disney reintegrou Kimmel foi a pressão dos famosos de Hollywood indignados. Para os jornais, notícias e opiniões são seu principal negócio. Se eles resistirem, vencerão na Justiça, e cada vez que Trump entrar com um processo por difamação, ele será ainda mais exposto como um valentão vaidoso.
O mercado de mídia dos EUA também é difícil de controlar porque é fragmentado. Na Itália de Silvio Berlusconi, apenas alguns canais eram importantes, e ele era dono de quase metade deles. Um mercado de 9,5 milhões de falantes de húngaro é pequeno o suficiente para ser capturado.
Os EUA são diferentes. Além disso, cada rede social é, por si só, um universo fragmentado de provedores de conteúdo individuais. Ao contrário de William Randolph Hearst, seus proprietários não podem ligar para os editores e dizer-lhes o que imprimir —e a FCC não tem jurisdição. Algoritmos podem orientar os usuários, mas para eliminar notícias uma por uma é necessário um exército de censores ao estilo chinês.
O governo Biden tentou fazer com que as redes sociais silenciassem o ceticismo em relação às vacinas. Parece ter tido o efeito oposto.
A liberdade de expressão nos EUA é protegida por uma garantia constitucional, um vasto mercado de mídia e os interesses da metade do país que não vota em Trump. Uma mídia controlada, se isso fosse possível, seria uma enorme oportunidade de negócios para o outro lado. Os EUA têm mercados de capitais profundos e muitos investidores dispostos a assumir riscos. Nunca foi tão fácil começar um programa de vídeo ou um podcast ou publicar textos.
Construir novas redes é difícil, mas veja o Threads e o TikTok como alternativas ao X, ou como a hierarquia das redes sociais mudou no passado. Como sempre acontece com Trump, seu grande trunfo é a velocidade. Os tribunais seguem os procedimentos; as empresas precisam descobrir como revidar; novos empreendimentos precisam de tempo para decolar.
É improvável que o Maga (acrônimo em inglês para “faça a América grandiosa novamente”) domine a mídia americana. No entanto, mesmo que Trump não vença sua batalha, os EUA ainda podem perder. Em uma economia de atenção fragmentada, a melhor maneira de se destacar é chamar tudo de apocalipse, incitar a revolução ou denunciar o fascismo.
Se todas as recompensas vão para o entretenimento político polarizado, então fica cada vez mais difícil fundar um bom governo com base em um entendimento comum dos fatos.
Os EUA sobreviveram a uma imprensa partidária no século 19; provavelmente farão o mesmo no século 21. Mas a transformação da praça pública em espetáculo sensacionalista é um fardo pesado para uma democracia sobrecarregada.