Mas porque é que eles não se entendem? Essa é a pergunta que por vezes se faz a partir do conforto e da distância. Nós, que dormimos descansados nas nossas camas. Nós, que temos casas que não foram destruídas pelas bombas. Nós, que não temos reféns na família. Perguntamo-nos, candidamente, porque não podem eles entender-se.
E nós? Será que nós entendemos? Basta ler as redes e os comentários, que têm sido um espetáculo de desumanização e polarização nos últimos anos. À distância segura de milhares de quilômetros insultamos, agredimos, ofendemos —e depois acreditamos ser moralmente superiores àqueles que, lá longe, não se entendem.
E no entanto a coerência não é difícil. Ela implica saber que uma violação de direitos é uma violação de direitos humanos, ponto. Que o assassinato em massa de civis inocentes é sempre condenável. Que a morte provocada de crianças, a quem nenhuma culpa por qualquer conflito pode ser atribuída, e que não escolheram de que lado nascer, nunca pode ser justificada.
Desse ponto de partida, o mundo —e em particular as potências ocidentais, com as suas responsabilidades históricas— poderia ter sabido ajudar a que a tragédia inominável que estamos vivendo não se tivesse produzido. Isolando e excluindo tanto quanto possível os irredentistas de parte a parte. Condenando os ataques do Hamas e precavendo-se logo de seguida para a desproporcionalidade da ofensiva de Israel sob a liderança do governo de Netanyahu. Reconhecendo o Estado da Palestina de forma a deixar claro que não aceitaria uma política de fatos consumados no terreno. Embargando as exportações de armas, suspendendo acordos comerciais, implementando sanções, processando em tribunais internacionais crimes contra a humanidade e de genocídio. E fazendo-o, tanto quanto possível, a uma só voz, para ser mais forte, audível e eficaz.
Especialmente a Europa teria de ter desempenhado um papel de árbitro honesto e imparcial. Falhou. E com isso perdeu credibilidade e enterrou a sua narrativa moral. Se há coisa que a Europa pode especializar-se em transmitir ao mundo é a narrativa da sua própria reconciliação depois de séculos de matanças recíprocas. Se foi possível aqui, pode ser possível entre Israel e Palestina. Mas para isso é preciso deixar claro que o destino tem de ser o da solução de dois Estados, da rejeição de toda a limpeza étnica ou genocídio.
Em vez disso houve cumplicidade e passividade. E dois anos ainda há reféns presos. E dezenas de milhares de palestinos mortos. Da atrocidade do 7 de outubro de 2023 à abominação do que se está a passar em Gaza, o mundo falhou o teste. Não soubemos conter os perpetradores, defender as vítimas e apontar o futuro.
Não teria sido impossível, nem sequer difícil, ter sido coerente. Mas não temos grande moral para lhe perguntar porque não se entendem eles.