Israel anunciou nesta terça-feira (14) que voltará a reduzir a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza e não reabrirá a passagem de Rafah, no sul do território.

A retomada estava prevista no plano de cessar-fogo com o Hamas, mas o movimento de Tel Aviv é para pressionar o grupo terrorista a acelerar a devolução dos corpos dos reféns mortos —uma demonstração de como o acordo de paz patrocinado por Donald Trump ainda enfrenta uma série de entraves.

Israel acusa a facção palestina de não cumprir sua parte e protelar a entrega dos cadáveres. A facção devolveu quatro corpos na segunda-feira (13), mas ainda mantém outros 24 no território.

O Hamas disse mais cedo que entregaria de quatro a seis cadáveres ainda nesta terça, e o Exército de Israel confirmou que a Cruz Vermelha recebeu quatro caixões com restos mortais, sem identificação. Agora eles serão recolhidos para exames forenses, a fim de confirmar se pertencem aos reféns mortos. O plano de paz assinado na segunda prevê que todos os reféns, vivos ou mortos, sejam entregues a Israel.

Nesta terça, Tel Aviv também devolveu a Gaza os restos mortais de 45 palestinos mortos durante a guerra, parte das centenas de cadáveres de palestinos em poder de Israel —acredita-se que uma fração deles seja de membros do Hamas que participaram dos ataques do 7 de Outubro, mas outros não têm origem completamente explicada.

A Cruz Vermelha, responsável por receber os reféns e entregá-los a Israel, disse que levará tempo para entregar os restos mortais devido às dificuldades de localizar corpos entre os escombros do território devastado após dois anos de guerra.

“Esse é um desafio ainda maior do que a libertação de pessoas vivas. É um desafio imenso”, disse o porta-voz do Cruz Vermelha, Christian Cardon, acrescentando que o processo pode levar dias ou semanas —e que há a possibilidade de alguns corpos nunca serem encontrados. “Acredito que exista claramente o risco de isso levar muito mais tempo. O que estamos dizendo às partes envolvidas é que essa deve ser a prioridade máxima.”

Trump se pronunciou sobre outro entrave central para as próximas negociações: o desarmamento do Hamas. A facção não se comprometeu publicamente com essa medida, considerada incontornável por Tel Aviv. O presidente americano disse que o grupo terrorista terá de entregar as armas, por bem ou por mal. “Se isso não acontecer, nós vamos desarmá-los. E isso vai acontecer rápido, e talvez de forma violenta.”

Colocando mais pressão sobre o acordo, o governo de Binyamin Netanyahu informou às Nações Unidas que permitirá a entrada diária de apenas 300 caminhões de ajuda —metade do número acordado— a partir desta quarta-feira (15), e que nenhum carregamento de combustível será autorizado a entrar no território, exceto para necessidades específicas relacionadas à infraestrutura humanitária.

Familiares dos sequestrados e ministros da ala de extrema direita do gabinete de Netanyahu pedem que o premiê suspenda o acordo de cessar-fogo até o retorno de todos os corpos dos reféns ainda mantidos em Gaza. Em nota, o Fórum de Famílias dos Reféns disse: “Apenas quatro reféns mortos estão voltando hoje. Apenas quatro famílias poderão dar a seus familiares o enterro digno que merecem e começar o processo de luto. Como isso é possível? Como podemos aceitar que os outros fiquem para trás?”

Uma publicação de Trump em sua rede, a Truth Social, adicionou pressão ao contexto. “Um grande fardo foi retirado, mas o trabalho ainda não está concluído. Os mortos não foram devolvidos como prometido”, escreveu o presidente. “A fase dois começa AGORA!”, escreveu ele na rede social, com suas habituais maiúsculas, embora o plano de cessar-fogo não apresente seus objetivos divididos em fases.

Em outro teste de realidade para o pacto que pretende pôr fim à guerra, o Exército israelense disse que abriu fogo contra um grupo de palestinos que teria se aproximado de suas forças no norte de Gaza na terça. As autoridades de saúde no território, controladas pelo Hamas, afirmaram que pelo menos seis pessoas foram mortas em dois incidentes separados.

As Forças Armadas afirmaram em um post no X que “vários suspeitos” cruzaram um limite estabelecido para uma retirada inicial das tropas israelenses de acordo com o plano de cessar-fogo mediado pelos EUA. A publicação ainda adverte os palestinos a “seguir as instruções e manter distância das tropas israelenses”.

Os impasses ocorrem um dia após o Hamas devolver os últimos 20 reféns ainda vivos que permaneciam em cativeiro na Faixa de Gaza. Em troca, Israel libertou 1.968 palestinos que estavam detidos em suas penitenciárias. Apesar do clima de alívio e esperança nos dois lados do conflito, ainda pairam muitas dúvidas sobre os próximos passos do plano de cessar-fogo, como a reconstrução de Gaza e a natureza exata do governo tecnocrático que deve assumir o controle do território palestino, além da questão do desarmamento.

Mais cedo, o Exército de Israel anunciou que identificou os corpos dos primeiros quatro reféns entregues pelo Hamas na segunda-feira: Guy Iluz, 26, Bipin Joshi, 23, Yossi Sharabi, 53, e Daniel Peretz, 22.

Iluz foi sequestrado no festival de música Nova, onde 364 pessoas foram mortas nos ataques do 7 de Outubro. Segundo o Exército, ele morreu em decorrência dos ferimentos por não ter recebido tratamento médico adequado enquanto estava em cativeiro.

Já Joshi, estudante nepalês de agronomia, foi raptado no kibbutz Alumim. As Forças Armadas afirmam que ele teria sido assassinado ainda nos primeiros meses da guerra. Sharabi foi sequestrado do kibbutz Be’eri, e Peretz era um soldado morto em seu tanque no dia dos atentados e teve o corpo levado para Gaza.