Num domingo agitado, de mau tempo e participação eleitoral regular (ao redor de 67%), os argentinos foram às urnas para renovar parte do Legislativo, e o partido do governo, A Liberdade Avança, obteve uma vitória mais expressiva do que apontavam as pesquisas: 40,84% contra 31,66% do peronismo, de acordo com os primeiros números divulgados.
Não foi o “arraso” prometido por seu líder, Javier Milei, mas garantiu uma maior participação no Congresso e a formação de uma verdadeira bancada. Ainda assim, minoritária, que necessitará fazer alianças para aprovar suas reformas, mas que dá um respiro a um governo que, até outro dia, andava tão enraivecido com o Congresso que dizia que iria emular o salvadorenho Nayib Bukele “na base do decreto e do veto”, caso o Legislativo não o acompanhasse em seus projetos.
Agora, pelo menos, um ar de ainda difícil negociação será respirado no Congresso. O desejo profundo de Milei —o de não precisar mais das fileiras do partido de Mauricio Macri, o PRO— não se cumpriu. E o agora veterano ex-presidente continuará tendo importância nas decisões do Parlamento, se a ideia for confrontar diretamente o ainda predominante peronismo.
O momento político desta eleição é talvez o de maior desgaste para o governo. Milei chegou ao poder numa eleição presidencial em 2023 com forte discurso de outsider antipolítica e promessa de ruptura. Agora se agarra a ambos sem nenhum constrangimento, desde que lhe deem mais tempo. A angústia se impõe na medida em que os Estados Unidos oferecem ajuda à Argentina, mas vinculada a um verdadeiro avanço na macroeconomia —que ainda caminha a passos de tartaruga. Os sinais de cansaço do eleitorado são evidentes.
Não tem sido incomum a comparação de Milei com a trajetória de Carlos Menem nos anos 1990 —que, com seu discurso peronista liberal, arrebatou corações argentinos para, uma década depois, mergulhar em escândalos de corrupção e crimes que terminaram numa desvalorização do peso ainda hoje traumática.
Hoje, mesmo economistas liberais apontam que tal desvalorização, já em curso, é praticamente inevitável nos próximos meses.
Embora sirva para renovar parte do Congresso, as eleições de meio de mandato funcionam mais como um referendo intermediário sobre o governo Milei. O que se ouve nas ruas de Buenos Aires e nas conversas de analistas, porém, gira em torno de questões mais duras —do tipo “ele chega até o fim do mandato?” ou “o que aconteceria se Trump soltasse a mão da Argentina de repente?”, o que não seria de se espantar, dada a dramática crise de Washington no Caribe.
Nesse cenário, é difícil que as bandeiras mais radicais da campanha de Milei sejam cumpridas no tempo que lhe resta: destruição do Banco Central, dolarização total da economia, fim da inflação.
O antikirchnerismo ainda é maior do que o antimileísmo? Em torno dessas questões girarão as pesquisas daqui até 2027, data da próxima transição presidencial.
Por ora, está longe a promessa de Milei —a de que, em 15 anos, a Argentina seria como um país europeu. O que se vê é, mais uma vez, a nação enredada em sua própria história, em que um líder surge e se encaminha para a tragédia. Ele ainda tem meio governo para provar que, desta vez, será diferente. Neste domingo, recebeu um voto de confiança. O inteligente seria usar esses números contra a maré de reprovação às suas políticas econômicas e à tensão crescente nas ruas. A história dirá.




