É preciso ser otário para comprar um carro usado de Steve Bannon, o ex-assessor da Casa Branca que durou seis meses no cargo, em 2017, por falar demais. Mas a veneranda revista The Economist se prestou ao papel, em outubro, ao entrevistar o malandro boquirroto que continua se apresentando como intérprete de Donald Trump.
A revista não só deixou passar, sem contestação, como fez publicidade da declaração de Bannon sobre supostos planos para Trump concorrer a um terceiro mandato, desafiando a Constituição.
O trecho da entrevista correu o mundo e irritou o presidente, que admitiu a contragosto não poder lançar uma nova candidatura. Ele detesta a ideia de endossar um sucessor. Mas a movimentação já acontece à sua revelia, por vazamentos.
O senador Ted Cruz sussurrou que estuda concorrer. Um ex-colega dele no Senado descreveu a antipatia dos pares dizendo: “Cruz é aquele cara que traz peixe para esquentar no micro-ondas do escritório.”
O secretário de Estado, Marco Rubio, mandou recado dizendo que J.D. Vance é o sucessor natural, talvez sugerindo que espera ser o vice do vice atual. Há observadores políticos mencionando uma chapa Tucker Carlson/Marjorie Taylor Greene. O ainda influente âncora demitido da Fox e a deputada Maga, agora rejeitada por criticar Trump, são especialistas em captar atenção com choque.
Continua a ser tabu discutir a sucessão ao alcance dos ouvidos do presidente. Mas novembro deixou claro que os republicanos começam, aos poucos, a tratar como pato manco o mais imperial líder do partido ao longo de uma década. O que surpreende é Trump enfrentar esses ventos apenas dez meses após a posse.
Um problema do presidente que trata a Casa Branca como o estúdio de seu show diário é que, ao contrário de Joe Biden, cujos assessores limitaram sua exposição ao público, Trump, 79, não sai do ar e tem aparecido cochilando ao vivo.
O jornal Washington Post compilou um total de 20 minutos de luta dele para se manter acordado num só evento no Salão Oval. A esta percepção de fraqueza se soma a realidade: o mês começou com derrotas eleitorais para os republicanos. Novas pesquisas confirmam Trump como o mais impopular chefe do Executivo americano do período pós-guerra.
Reconhecendo a insatisfação dos seus apoiadores, Trump reverteu, em surdina, na noite de sexta (14), tarifas impostas sobre café, carne bovina e bananas.
Ciente do risco de perder o controle da Câmara e do Senado na eleição de 2026, o presidente lançou seu partido numa aventura de gerrymandering –redesenho de distritos eleitorais— que acaba de ser derrotada judicialmente no Texas, mas despertou a combatividade dos democratas, que resolveram dar o troco em outros estados. A liderança republicana de Indiana fincou o pé e resiste à pressão para redesenhar seus distritos.
Mas nenhum caso exemplifica o desafio ao poder do presidente como o movimento para divulgar os arquivos do caso Jeffrey Epstein, que começou com a adesão de apenas quatro deputados republicanos e resultou em votação quase unânime na Câmara e no Senado. Não sabemos se os arquivos foram alterados ou suprimidos em parte, mas o formidável esforço da Casa Branca para impedir sua divulgação confirma o nervosismo de Trump e o risco de que ele se comporte de maneira mais imprevisível.
