A se acreditar na nova Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Donald Trump gostaria de ver o mundo dividido em esferas de influência. Se os Estados Unidos reservam para si as Américas, concedem a preponderância da Rússia sobre o espaço pós-soviético, incluindo a Ucrânia e uma parte do Leste Europeu, e têm forçosamente de aceitar que a China tenha um papel decisivo no Indo-Pacífico.
Mas isso cria mais problemas do que aqueles que resolve. Desde logo, é preciso saber se os países que na prática acabam sendo considerados subalternos, e que incluiriam o México, o Brasil, e todos os da União Europeia, entre muitos outros, aceitam serenamente essa visão de mundo. Além disso, há muitas zonas indefinidas ou de transição nas quais não está claro qual seria a potência dominante (África, Ásia Central, e outras).
Tal como no final do século 19 e começo do século 20, um mundo com base em esferas de influência não só seria mais instável do que as alternativas como se tornaria a antecâmara de um conflito mundial.
Um grande exemplo disso é a Groenlândia. Trump diz que os EUA precisam da Groenlândia para a sua própria segurança e defende que, sendo o território adjacente ao continente americano, faça naturalmente parte da sua esfera de influência.
Mas a importância da Groenlândia não se deve a ser um território americano, mas sim do Ártico. E o Ártico é uma dessas áreas, cuja importância no século 19 era secundária, em que se vai disputar o “grande jogo” da geoestratégia no século 21, tanto pelo acesso a minérios quanto por novas rotas comerciais.
São poucos os países com acesso ao Ártico. A Rússia e o Canadá são os que têm maior extensão exposta ao Ártico, os EUA têm o Alasca, e depois há ainda a Noruega e a Islândia. A China tem, é claro, interesses nesses minérios e, sobretudo, nas novas rotas a serem abertas para o escoamento dos seus produtos.
E a União Europeia tem também um papel que não deve ser menosprezado. Em primeiro lugar, porque a Groenlândia, que também tem acesso direto ao Ártico, é um território soberano que faz parte da Dinamarca.
Ora, a Groenlândia não é território da União Europeia, mas a Dinamarca é Estado-membro do bloco e todos os seus cidadãos, incluindo os groenlandeses, são cidadãos europeus.
Mas também porque a Groenlândia já fez parte da antecessora da União Europeia, a Comunidade Econômica Europeia, da qual saiu em 1985 por questões relacionadas com as pescas.
Uma vez que a Groenlândia já cumpre com todos os requisitos da União Europeia, e que as dificuldades com as pescas podem ser afastadas levando em consideração um contexto global no qual se tornaram menos relevantes, seria fácil conseguir a adesão ao bloco.
O mesmo vale para a Islândia, que já teve negociações avançadas, e mesmo para a Noruega. Além de que o Canadá está hoje politicamente mais próximo da União Europeia do que dos EUA.
Tudo junto, a questão da Groenlândia é chave não só para o pensamento de Trump, como para o futuro da geopolítica. A gente pode achar tudo sobre as ambições do republicano sobre a Groenlândia, menos que não sejam para serem levadas a sério.




