María Abreu passeia entre as inúmeras luzes de Natal que enfeitam uma avenida de Caracas, conversando e rindo com amigos. Ela se esforça para evitar pensar no enorme contingente militar dos Estados Unidos no Caribe ou na possibilidade de um bombardeio na Venezuela.
O desejo de escapar, mesmo que por alguns instantes, é palpável entre os venezuelanos, que sofrem há décadas com crises políticas e econômicas. “Prefiro não pensar nisso, e se tiver que acontecer, que aconteça. Vivemos um dia de cada vez”, diz Abreu, atleta de 18 anos.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mobilizou uma frota enorme que matou mais de cem pessoas em bombardeios contra barcos supostamente vinculados ao tráfico de drogas. Ele também apreendeu navios que transportavam petróleo venezuelano sob embargo.
O ditador venezuelano, Nicolás Maduro, afirma que Washington busca derrubá-lo, e muitos venezuelanos acreditam que isso pode se traduzir em ataques aéreos ou até mesmo em uma invasão.
Trump e Maduro conversaram por telefone em 30 de novembro. O ditador disse que a ligação foi cordial e em tom de respeito, mas o cerco militar contra seu regime só cresceu desde então.
Em 10 de dezembro, as Forças Armadas americanas capturaram o petroleiro Skipper, com bandeira da Guiana, em águas próximas à Venezuela. No dia 16, Trump anunciou um bloqueio “total e completo” de todos os petroleiros sancionados que entrem e saiam da Venezuela. E o presidente dos EUA escreveu, na Truth Social, que o regime venezuelano também foi classificado de organização terrorista estrangeira.
Em 20 de dezembro, a Guarda Costeira dos EUA, com apoio do Pentágono, apreendeu outra embarcação durante a madrugada e tentou interceptar um terceiro petroleiro chamado Bella 1. Em resposta, o regime venezuelano disse que os atos não ficariam impunes e que recorreriam ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. O regime venezuelano, de fato, agiu.
Como resposta às ações navais dos Estados Unidos, a Venezuela aprovou na terça-feira (23) uma lei contra a “pirataria nos mares do mundo”.
O texto diz que “toda pessoa que promover, instigar, solicitar, invocar, favorecer, facilitar, apoiar, financiar ou participar das ações de pirataria, bloqueio ou outros atos ilícitos internacionais será sancionada com prisão de 15 a 20 anos”. Ainda prevê multas que podem chegar a € 1 milhão (R$ 6,5 milhões). Segundo Maduro, a medida tem um “grande poder”.
Esses cenários, inclusive a possibilidade de guerra, aparecem nas conversas dos cidadãos comuns, embora sempre em sussurros. Muitos temem acabar na prisão por qualquer comentário que desagrade às autoridades.
‘Fardo político’
A temporada natalina começou na Venezuela em outubro por ordem de Maduro, e a avenida Los Próceres está tão iluminada que quase faz esquecer os constantes apagões no resto do país.
Ao longo da avenida, rodeada por árvores e estátuas brancas em homenagem aos heróis da Independência, casais tiram fotos, crianças brincam de bola e pais compram doces para seus filhos.
Os shoppings estão lotados com a correria de dezembro, longe da escassez de uma década atrás. As vitrines estão cheias e iluminadas, encantando muitos transeuntes, que não têm poder aquisitivo para comprar neste novo cenário de hiperinflação.
A psicóloga clínica e social Yorelis Acosta prevê que muitos venezuelanos sofrerão com “problemas de saúde mental” como resultado de uma “crise prolongada que gera altos níveis de ansiedade, estresse, desesperança, distúrbios do sono e irritabilidade”.
“Estamos tentando ignorar o fato de que temos um enorme fardo político nas mãos. Tentamos celebrar nossas vidas normais acima de tudo”, diz a estudante de artes María Mendoza, 21.




