O Haaretz, um dos principais jornais israelenses, denuncia uma campanha de seu país para influenciar evangélicos norte-americanos e brasileiros na defesa de Israel, em meio às operações militares que resultaram em mais de 80 mil mortes de árabes palestinos —incluindo muçulmanos e cristãos— em Gaza e na Cisjordânia.
Segundo a publicação, Israel investe milhões de dólares no fortalecimento de uma narrativa favorável junto ao público evangélico. Esse esforço ocorre no contexto das operações militares israelenses em resposta aos ataques terroristas contra civis judeus em outubro de 2023.
Fundado em 1918 e sediado em Tel Aviv, o Haaretz é conhecido por sua linha editorial crítica em relação às políticas do Estado israelense e é um dos mais antigos e influentes do país. Duas reportagens recentes oferecem uma visão atualizada de como esses dois movimentos —o religioso e o estatal— continuam avançando em sintonia.
Uma dessas reportagens relata um convite do governo israelense, com todas as despesas pagas, a cerca de mil líderes e influenciadores evangélicos norte-americanos para visitar a chamada Terra Santa. O itinerário foi rigidamente controlado, com reuniões com generais israelenses, autoridades do governo e visitas a locais como o memorial do festival Nova.
Para o organizador da caravana, apoiar Donald Trump e pressionar contra a entrega de terras aos palestinos é interpretado como obediência à palavra de Deus. Não há registro de encontros com líderes palestinos, ativistas pela paz ou civis de Gaza e da Cisjordânia.
O reverendo Jack Sara, árabe palestino residente em Jerusalém e secretário-geral para o Oriente Médio e Norte da África da Aliança Evangélica Mundial, criticou a delegação por visitar “pedras mortas” —sítios arqueológicos— enquanto ignorava as “pedras vivas”: as comunidades cristãs indígenas da Cisjordânia e de Gaza, presentes na região há séculos.
Embora faltem evidências públicas diretas de financiamento israelense, delegações de líderes evangélicos brasileiros em “visitas oficiais” tampouco são incomuns. Há dois meses, um grupo de líderes e influenciadores cristãos brasileiros reuniu-se pessoalmente com o presidente de Israel, Isaac Herzog.
Além de pedir perdão, por meio do porta-voz da delegação, pelo posicionamento do atual governo brasileiro em favor dos direitos do povo palestino, o encontro serviu para declarar total apoio a Israel e incluiu momentos de oração pela paz, alinhados à narrativa oficial israelense. Também nesse caso, não há notícias de reuniões com líderes cristãos árabes ou outras autoridades palestinas.
A segunda reportagem do Haaretz revela, em detalhes, que, movido pelo receio de perder o apoio de sua base republicana nos Estados Unidos, o governo israelense tem investido milhões de dólares em campanhas publicitárias direcionadas especificamente ao público evangélico norte-americano.
Essas peças, que inclusive fazem uso de ferramentas de inteligência artificial, empregam argumentos supostamente bíblicos e mensagens que afirmam que os palestinos escolheram o Hamas, celebram o massacre de 7 de outubro e compartilham intenções genocidas.
Nada disso contribui para que evangélicos desenvolvam uma perspectiva minimamente equilibrada sobre um conflito tão complexo. Ainda mais preocupante é constatar que essa simbiose entre o moderno Estado de Israel e parte do movimento evangélico decorre de uma interpretação bíblica que contraria a compreensão histórica de importantes teólogos cristãos ao longo dos séculos e que surgiu apenas no século 19.
Diante da significativa capacidade do governo israelense de moldar a narrativa pública, muitos evangélicos, ao aceitarem de forma acrítica as informações que lhes são apresentadas, acabam sendo orientados mais por construções ideológicas do que por uma interpretação fiel dos ensinamentos de Jesus.
Como consequência, tornam-se incapazes de apreender a complexa realidade da ocupação, do deslocamento forçado, do sofrimento generalizado e das dificuldades específicas enfrentadas por cristãos e muçulmanos palestinos, frequentemente demonizados ou excluídos da narrativa predominante.
Assim, é provável que, mais uma vez, a celebração do Natal em Belém —marcada pela convivência entre cristãos e muçulmanos— passe despercebida por uma parte significativa dos evangélicos brasileiros.




