António Costa: Proposta de Trump para Gaza é inaceitável – 29/05/2025 – Mundo

António Costa: Proposta de Trump para Gaza é inaceitável -


O presidente do Conselho Europeu da União Europeia, o ex-premiê de Portugal António Costa, classificou de inaceitável a proposta de Donald Trump de remover a população palestina da Faixa de Gaza ao final da guerra IsraelHamas.

Em entrevista à Folha nesta quinta-feira (29), Costa disse que as ações do Exército israelense em Gaza “já não encontram qualquer justificativa no contexto da ação militar contra o Hamas”, mas reafirmou que o desmantelamento da facção é uma condição essencial para a retomada da solução de dois Estados.

A fala de Costa vai ao encontro da mudança de retórica de países europeus em relação a Israel. A chefe da diplomacia da UE, a estoniana Kaja Kallas, já disse que o bloco vai rever acordos de comércio e cooperação com Tel Aviv —Israel disse, em resposta, que a ação teria o único efeito de “encorajar o Hamas”.

Em São Paulo para o Fórum de investimentos UE-Brasil, Costa também conversou com a Folha sobre as relações com o governo Lula (PT), a Guerra da Ucrânia, o acordo entre UE-Mercosul e a COP30, a conferência do clima da ONU.

Qual final possível o senhor enxerga para as negociações de paz da guerra da Ucrânia? Um acordo que mantenha a presença militar russa na Ucrânia é aceitável para a Europa?

Só a Ucrânia tem legitimidade para dizer o que é aceitável. É importante dizer que esta guerra tem um agressor, que é a Rússia, e tem uma vítima, que é a Ucrânia, e não é um conflito apenas da Rússia contra a Ucrânia, mas sim da Rússia contra o direito internacional.

Mas o senhor chamaria de paz justa e duradoura um acordo que mantenha tropas russas em território ucraniano?

O acordo trará uma paz justa e duradoura se for negociado e respeitado pela Ucrânia e pela Rússia. A UE respeita integralmente a soberania da Ucrânia e o direito que a Ucrânia, e só a Ucrânia, tem de definir quais são os termos em que está disposta a aceitar a paz.

Mas o obstáculo à paz não é a Ucrânia, e sim a Rússia. Este é o país que desencadeou a guerra, sem ter sido provocado, sem qualquer justificação, violando o direito internacional.

Como o senhor sabe, as relações entre o governo brasileiro e o governo russo não sofreram grande alteração desde o início da guerra, e a Folha já ouviu de diplomatas europeus, sob reserva, que isso é um ponto de frustração. Há cansaço da Europa com a postura do presidente Lula?

Eu acho que é muito importante que o presidente Lula e o Brasil façam pressão sobre a Rússia para dizer: chegou o tempo da paz, do cessar-fogo, de sentar à mesa com a Ucrânia. Não tenho dúvida que a tradição da política externa brasileira de respeito integral pelo direito internacional prevalecerá. O Brasil tem autoridade moral para dizer à Rússia: basta!

Até pouco tempo atrás, outro ponto de desgaste entre o Brasil e a Europa era a guerra em Gaza, e o presidente Lula já disse que Israel comete um genocídio ali. Recentemente, entretanto, a retórica de países europeus começou a mudar. Há agora mais concordância entre UE e o Brasil sobre o que ocorre hoje em Gaza?

A posição da UE é muito clara desde o princípio. A única solução para uma paz justa e duradoura em Gaza é a solução dos dois Estados. A UE é o maior financiador internacional da Autoridade Palestina, e vários países da UE já reconheceram a Palestina. Desde o princípio dissemos que o direito de legítima defesa de Israel tinha que ser contido no âmbito do direito internacional.

Mas houve uma mudança de posição.

A mudança de posição se deu porque, neste momento, o que acontece em Gaza já não respeita o direito à legítima defesa de Israel, e porque a violência que o Exército israelense pratica em Gaza já não encontra qualquer justificativa no contexto da ação militar contra o Hamas. Também é essencial a imediata libertação dos reféns, ações para reconstrução de Gaza e, definitivamente, a solução de dois Estados.

Nesse sentido, como o sr. vê a proposta de Trump de retirar a população palestina de Gaza?

Essa posição é absolutamente inaceitável. Seria um fator de desestabilização de toda a região e para a solução de dois Estados, para qual é essencial, obviamente, que o povo palestino possa residir na Palestina.

A UE pretende aplicar mais pressão a Israel, que é um parceiro histórico do bloco?

Nós temos aplicado toda a pressão política sobre Israel, e trabalhamos também com a Autoridade Palestina para criar condições para que ela assuma o controle efetivo das duas partes do território, retirando o poder do Hamas.

Mas o desmantelamento do Hamas ainda é possível, na sua avaliação?

Para uma paz duradoura é absolutamente essencial.

O senhor já disse à imprensa que a Europa precisa ter uma nova arquitetura de segurança. O que ela pode incluir? Um exército comum?

Um ponto de convergência que temos com o governo Trump é que a Europa precisa ter mais peso na sua própria defesa. A forma inteligente de fazer isso não é criarmos 27 grandes exércitos, mas sim um forte sistema de defesa coletivo capaz de dissuadir a Rússia e assegurar paz e segurança na Europa.

Isso será eficaz? O senhor não teme uma corrida armamentista no continente?

Nós aprendemos que a paz sem defesa é pura ilusão. Infelizmente, Putin destruiu décadas de investimento na confiança mútua na Europa, e não só países do Leste Europeu se sentem ameaçados.

É fundamental não só obter a paz na Ucrânia, mas garantir que a Rússia não volte a ser uma ameaça, e para isso precisamos investir na nossa própria defesa. Só com a dissuasão poderemos voltar à esperança que tínhamos há 30 anos —de podermos viver em paz e amizade com a Rússia. Mas há um problema de confiança hoje com Moscou, e esse problema não foi criado pela Europa. A Europa não ameaçou a Rússia.

Nesse contexto, o senhor enxerga ainda alguma chance de uma relação, como o sr. colocou, de amizade com Moscou?

A geografia não muda. A Rússia é uma parte do continente europeu, e o que nós desejamos é que a guerra termine, a Rússia aceite respeitar o direito internacional, e que, com base nisso, seja possível reconstruir uma relação de confiança. Mas isso não depende de nós, e sim da Rússia. E não há ninguém que lamente mais isso do que a UE.

Como o sr. vê a relação entra a UE e o Brasil em um momento de maior isolacionismo dos EUA?

É uma relação excelente do ponto de vista político e econômico. Temos a mesma visão de defender o direito internacional e o multilateralismo, de combater as mudanças climáticas, a pobreza e a fome, além de apoiar a reforma de organizações internacionais como a ONU, possibilitando que países como o Brasil tenham assento [permanente] no Conselho de Segurança.

As relações comerciais também são excelentes, somos o segundo maior parceiro comercial do Brasil, e isso certamente será potencializado com a entrada em vigor do acordo com o Mercosul. Diria que há concordância de 99% entre a agenda internacional do Brasil e da UE.

As tarifas impostas por Trump afetaram a vontade política na Europa de ratificar esse acordo? Há uma tramitação facilitada agora?

O processo de aprovação interna começa entre junho e julho, e esperemos que ele se conclua rapidamente —de preferência, durante a presidência brasileira do Mercosul [de julho a dezembro]. No novo contexto da posição americana sobre o comércio internacional, esse acordo é mais importante do que nunca.

E será possível passar pela oposição de países como a França?

Em um acordo comercial que abrange milhares de produtos e serviços, nem todo mundo vai ficar satisfeito. Mas, no contexto global, as duas partes reconheceram que ele é vantajoso para todos os setores, inclusive a agricultura. Com diálogo e compreensão, vamos encontrar formas adequadas de lidar com eventuais problemas.

O Brasil se prepara para sediar a COP 30 em Belém, na Amazônia, em meio a discussões sobre exploração de petróleo na foz do rio Amazonas. Na visão do senhor, o tema pode causar constrangimento entre o Brasil e as delegações europeias?

O Brasil é um país soberano, e a Europa não tem que se pronunciar sobre a forma como o Brasil governa a si próprio. Somos grandes apoiadores do Brasil na organização da COP30, e trabalhamos para que seja um grande sucesso.

Na Europa também há um distanciamento da pauta ambiental em favor da militar, especialmente na Alemanha. A crise do clima ficou em segundo plano?

A crise do clima não pode ficar em segundo plano porque é uma crise existencial para a sobrevivência da humanidade. A Guerra da Ucrânia, obviamente, criou uma crise energética sem precedentes na Europa, e isso obrigou uma certa reconsideração das metas de transição energética. Mas nosso compromisso está inalterado. Aliás, a guerra demonstrou que precisamos acelerar [a descarbonização], porque ela aumenta a dependência da Europa em relação à Rússia.


Raio-X | António Costa, 63

Nascido em Lisboa, foi primeiro-ministro de Portugal de 2015 a 2023, o segundo político mais duradouro no cargo desde a redemocratização do país em 1975. Em 2023, renunciou após ser alvo de mandado de busca em caso de corrupção, investigação que depois foi questionada na Justiça. Advogado, foi eleito para o Parlamento português pela primeira vez em 1991. Foi ministro da Justiça, ministro da Administração Interna e presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Liderou o Partido Socialista de 2014 a 2024, quando foi eleito presidente do Conselho Europeu, cargo que assumiu em dezembro do mesmo ano e que desempenha desde então.



Fonte CNN BRASIL

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