Os militares da Guiné-Bissau anunciaram nesta quinta-feira (27) a nomeação de um general como presidente interino, um dia após um golpe de Estado interromper o processo eleitoral em curso no país lusófono da África Ocidental.
“Acabo de ser empossado para liderar o Alto Comando”, disse o general Horta N’Tam —até então chefe do Estado-Maior do Exército— pouco depois de prestar juramento no quartel-general das Forças Armadas.
“Guiné-Bissau atravessa um período muito difícil da sua história. As medidas que se impõem são urgentes, importantes e requerem a participação de todos”, afirmou.
A nomeação do general como presidente e chefe da junta golpista foi anunciada pelo grupo autodenominado “Alto Comando Militar para a Restauração da Ordem” em uma entrevista coletiva em Bissau.
Na quarta (26), líderes da junta anunciaram na televisão estatal a deposição do presidente Umaro Sissoco Embaló, a suspensão do processo eleitoral, o fechamento das fronteiras e a imposição de um toque de recolher.
A ruptura democrática aconteceu um dia antes da divulgação prevista dos resultados de uma eleição presidencial contestada e sob suspeita de fraudes. Tanto o presidente em fim de mandato como o opositor Fernando Dias de Costa reivindicavam a vitória.
Pouco antes do pronunciamento, tiros foram ouvidos próximos à sede da comissão eleitoral, ao palácio presidencial e ao Ministério do Interior, segundo testemunhas. O tiroteio na capital durou cerca de uma hora. Não havia informações sobre vítimas.
Embaló telefonou para veículos franceses afirmando que havia sido deposto. Seu paradeiro continuava desconhecido nesta quinta-feira —os líderes da junta golpista não informaram se ele estava sob custódia.
O presidente da União Africana, Mahmoud Ali Youssouf, condenou o golpe, em nota, e pediu a libertação imediata e incondicional de Embaló e de todos os funcionários que teriam sido detidos.
Chefes de Estado do bloco regional da África Ocidental, a Cedeao, também condenaram o golpe e manifestaram preocupação com as possíveis prisões de Embaló, de altos funcionários e de integrantes do processo eleitoral.
Observadores eleitorais da União Africana e da Cedeao disseram ainda que funcionários responsáveis pelo processo eleitoral foram presos e pediram sua libertação imediata.
O ex-presidente da Nigéria Goodluck Jonathan, que acompanhava a votação como parte do Fórum de Anciãos da África Ocidental, estava incomunicável nesta quinta, segundo o porta-voz da Cedeao, Joel Ahofodji.
“Eu não diria que ele [Jonathan] e outros estão presos em Guiné-Bissau, mas não sabemos onde estão”, afirmou.
Edwin Snowe, senador da Libéria que integrou a missão de observação parlamentar, disse à agência Reuters que deixou o país na terça-feira e, desde quarta, não conseguiu contato com os colegas que permaneceram em Bissau.
Já o Ministério das Relações Exteriores do Brasil lamentou, em nota divulgada na quarta, a “suspensão arbitrária” das eleições legislativas e presidenciais em Guiné-Bissau e apelou às forças políticas do país para que retomem o diálogo pacífico, com vistas ao restabelecimento da ordem constitucional.
O Itamaraty afirmou ainda que a Embaixada do Brasil em Bissau permanece à disposição para prestar assistência aos cidadãos brasileiros no país, por meio do telefone de plantão consular.
‘TENTATIVA DE GOLPE FALSA’
Dias acusou Embaló, em um vídeo, de encenar uma “tentativa de golpe falsa” para interromper a eleição porque temia perder.
Em comunicado enviado à Reuters nesta quinta, a coalizão que apoia Dias exigiu que as autoridades divulguem os resultados da votação presidencial ocorrida no último domingo (23).
A coalizão também pediu a libertação do ex-primeiro-ministro Domingos Simões Pereira, derrotado por Embaló no pleito de 2019. Ele foi detido na quarta-feira, segundo familiares e autoridades de segurança.
Forças de segurança usaram gás lacrimogêneo para dispersar um pequeno protesto em frente ao prédio em que Pereira estaria detido, segundo testemunha da Reuters.
Elas também dispersaram um grupo reunido próximo à casa de Dias, na periferia de Bissau, e duas testemunhas relataram à Reuters que tiros com munição real foram disparados.
Não houve relatos de mortos relacionados à violência de quarta ou quinta-feira.
Guiné-Bissau, pequeno país costeiro entre Senegal e Guiné, é conhecido como ponto de trânsito de cocaína destinada à Europa. Sob Embaló, o tráfico teria aumentado, segundo especialistas.
O país foi abalado por pelo menos nove golpes e tentativas de golpe desde 1974, quando conquistou a independência de Portugal. Embaló afirma ter sobrevivido a três tentativas de golpe durante seu mandato, enquanto seus críticos o acusam de fabricar crises como pretexto para repressões.
Dias havia feito campanha, em parte, com a promessa de reduzir a interferência militar na política.




