Argentina: A contradição libertária de Javier Milei – 24/05/2025 – Sylvia Colombo

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Nos primeiros meses de governo, Javier Milei falou com veemência contra “os parasitas do Estado” e prometeu cortar gastos, caçar sonegadores e penalizar quem se aproveitava do sistema para acumular fortunas. Agora, anunciou o contrário: um generoso plano para legalização de divisas não declaradas em troca do pagamento de uma taxa simbólica.

A proposta, conhecida como “blanqueo”, é velha conhecida na Argentina. Foi utilizada em diferentes administrações, incluindo a de Mauricio Macri que, em 2016, promoveu uma anistia que regularizou cerca de US$ 117 bilhões em ativos. Na época, o governo argumentou que a medida permitiria aumentar a base tributária e estimular o investimento.

No entanto, estudos posteriores apontaram que os recursos declarados foram mantidos, em sua maioria, fora da economia produtiva, e que a arrecadação adicional ficou aquém das expectativas. Além disso, a medida foi criticada por favorecer setores com maior capacidade de ocultar riquezas, aprofundando a sensação de desigualdade fiscal.

A promessa se repete: regularizar capitais para aumentar a arrecadação e impulsionar investimentos. Trata-se, na prática, de um perdão fiscal disfarçado que permite a regularização de recursos não declarados com baixa contrapartida, sem exigir transparência sobre a origem.

A realidade tende a ser outra: uma anistia à sonegação, premiando quem ocultou bens e penalizando quem sempre cumpriu com suas obrigações tributárias. Além disso, como afirma a oposição, a medida aumenta o risco do uso desse mecanismo para a lavagem de dinheiro ilícito.

O novo plano de Milei prevê três faixas de alíquotas, variando de 0% a 15%, conforme o montante e o prazo da declaração. Não há exigência para comprovação de origem lícita dos fundos. Em um país no qual se estima que mais de US$ 200 bilhões estejam fora do sistema formal, a medida pode trazer alívio fiscal de curto prazo. Mas a que custo?

Desde os anos 1970, muitos argentinos desenvolveram uma relação de desconfiança com o sistema bancário e cambial. Crises, congelamentos de depósitos e desvalorizações bruscas alimentaram uma cultura de informalidade patrimonial.

Guardar dólares “debaixo do colchão”, manter contas não declaradas no exterior ou operar em mercados paralelos se tornaram práticas disseminadas em diversos estratos sociais —inclusive entre políticos e ministros do atual governo, que resistem a declarar publicamente seus ativos dolarizados. O “blanqueo”, nesse contexto, não impacta apenas grandes empresários, mas um amplo setor da sociedade que naturalizou a evasão como estratégia de defesa.

Anistias recorrentes alimentam a desconfiança no sistema. Sinalizam que sonegar compensa. E que, no fim, sempre haverá um governo disposto a perdoar o passado em nome de uma suposta estabilidade. Enquanto isso, quem age dentro da legalidade sente-se penalizado —e, não raro, estimulado a aderir à informalidade como proteção.

A proposta também expõe uma contradição estrutural do discurso libertário de Milei: critica o Estado, mas dele depende para oferecer perdão a setores privilegiados. Em nome da liberdade de mercado, consolida a informalidade. Em nome da eficiência fiscal, recompensa a evasão.

Mais do que uma estratégia fiscal, trata-se de uma escolha política com implicações de longo prazo. A cada novo “blanqueo”, consolida-se a cultura de que, na Argentina, quem sonega espera —e quem espera é recompensado. Entre premiar a disciplina e consagrar a impunidade, o governo opta pela segunda. O custo, no longo prazo, é a erosão da credibilidade fiscal e da equidade tributária.


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