O horrendo assassinato do diretor e ator Rob Reiner e de sua mulher, Michele Singer Reiner, continua a traumatizar o público americano por motivos que vão além das circunstâncias trágicas. Já seria doloroso o bastante acompanhar apenas os detalhes do crime supostamente cometido pelo filho do casal, Nick.
Ao contrário de outras mortes violentas de figuras públicas com longa presença na consciência nacional do passado, este homicídio ocorreu num fim de semana marcado pelo massacre de 15 pessoas na Austrália e pela invasão do campus da Universidade Brown por um atirador que matou dois estudantes.
Mais do que a rápida sequência de assassinatos, os três crimes —o da Universidade Brown ainda não elucidado— foram sugados pela onipresente máquina de ódio performático.
O odioso ataque aos australianos celebrando o primeiro dia da Hanukkah foi inspirado pelo Estado Islâmico e, em outros tempos, despertaria condenação global inequívoca. A tentativa de massacre de estudantes, numa democracia desenvolvida, não deveria despertar relativismo moral. E a tragédia na família Reiner toca qualquer família, de qualquer classe, que viveu ou testemunhou a descida ao inferno da dependência de drogas.
Mas, não. Da Casa Branca veio o recado de que o liberal Rob Reiner morreu vítima de sua oposição ao presidente. Há fartura de reações indignadas online, inclusive a de aliados republicanos perplexos com a gratuidade dos comentários.
Vale lembrar que o bárbaro assassinato do influenciador de direita Charlie Kirk foi seguido de uma onda de represálias a comentários de cretinos esquerdistas que relativizaram a brutalidade. Empresas demitiram empregados, vistos foram cancelados, e um cidadão americano passou um mês na cadeia por postar um meme acusando o presidente de não levar a sério assassinatos em escolas.
A morte de Kirk é um ponto de inflexão porque ele se destacou por fazer debates com jovens adversários políticos. Ao ser martirizado, passou a ser usado como exemplo da importância do diálogo num país profundamente dividido.
No ano passado, Kirk foi o primeiro convidado da série “Surrounded” (cercados) na web, uma encenação político-circense em que uma figura pública conhecida por suas opiniões debate em fogo rápido com 25 jovens do espectro ideológico oposto. Nesta espetacularização de diálogo entre dois lados, um provocador de ultradireita pediu a deportação do convidado, um conhecido jornalista muçulmano progressista que é cidadão naturalizado americano.
Mas a fantasia de influenciadores como Sócrates contemporâneos, buscando a verdade em praças públicas por meio do debate retórico, bate de frente com a realidade de momentos como a celebração de Adolf Hitler e Josef Stálin normalizada por convidados de personalidades supostamente conservadoras —como o apresentador Tucker Carlson, um jagunço engravatado com ambições presidenciais.
Qual o valor do diálogo se o argumento do seu interlocutor é que Stálin deve servir de exemplo e o Holocausto não aconteceu? Trollagem não é conversa.
O podcast mais ouvido e assistido do mundo —The Joe Rogan Experience— é comandado por um brother obscurantista cujo desconhecimento de história e fatos básicos é evidente. Ignorância não é convicção ideológica. As reações aos trágicos assassinatos de Charlie Kirk e do casal Reiner lembram a falácia de confundir civilidade com unidade.




