Eleitores do que eram considerados redutos tradicionais da esquerda na Bolívia foram determinantes para a vitória de Rodrigo Paz, de centro-direita, no pleito à Presidência que marcou o fim de quase 20 anos de domínio do MAS (Movimento ao Socialismo), partido cuja principal figura é Evo Morales.
O resultado sinaliza que Paz herdou parcela significativa dos votos do evismo, apesar da estratégia de boicote defendida pelo ex-presidente na reta final da disputa. Sem candidatos da esquerda no segundo turno, Evo defendeu o voto nulo e em branco como forma de protesto.
Com 97,8% das urnas apuradas pelo órgão eleitoral nesta segunda (20), Paz registrava 54,6% dos votos válidos, contra 45,4% de Jorge ‘Tuto’ Quiroga. Os votos nulos eram apenas 4,69% do total, e os brancos, 0,75% —o que mostra que a campanha de Evo fracassou. Dos 7,5 milhões de cidadãos aptos a votar, 6,5 milhões (85,9% do total) compareceram às urnas.
Paz aparecia à frente em 6 dos 9 departamentos, o equivalente a estados na Bolívia. Em todos esses, o atual presidente, Luis Arce, do MAS, ficou à frente na eleição de 2020, definida já no primeiro turno.
Percentualmente, a vitória mais expressiva do presidente eleito ocorreu no departamento de La Paz, historicamente associado a movimentos indígenas e ao MAS. Ele também venceu em Cochabamba, reduto de Evo e onde o líder sindical, acusado de corrupção e de estupro de uma adolescente, está refugiado em um acampamento numa área de selva e cercado de apoiadores.
Quiroga, por sua vez, venceu nos departamentos de Bení, Tarija e Santa Cruz de la Sierra, onde representantes da direita também foram mais votados há cinco anos. Ele obteve sua maior vitória em Santa Cruz, reduto mais conservador e pró-mercado do país, com forte presença do empresariado agroindustrial. Curiosamente, Tarija, que também preferiu Quiroga, é a base política de Paz. Ele foi senador pelo departamento e prefeito da cidade homônima, que é a capital estadual
Há cinco anos, o MAS recebeu 55% dos votos em nível nacional e dominou o pleito em seis dos nove departamentos bolivianos. Tarija foi um dos poucos locais em que o agrupamento de esquerda perdeu à época, aliando-se a Santa Cruz. O Creemos, do ex-governador Luis Fernando Camacho, teve vantagem nos dois departamentos em 2020.
No departamento de Bení, o MAS também ficou numericamente em segundo lugar, mas praticamente empatado com o grupo político Comunidad Ciudadanía (CC), do ex-presidente Carlos Mesa.
A campanha de Rodrigo Paz, que lidera o Partido Democrata Cristão (PDC), apostou em um discurso de moderação, diálogo e reconstrução, buscando se distanciar tanto do populismo do MAS quanto da oposição conservadora mais dura. Essa estratégia se mostrou eficaz para atrair eleitores desiludidos com a crise interna do movimento de Evo e o desgaste de Arce, que enfrentou divisões profundas dentro da própria base.
Em seu discurso de vitória, o presidente eleito defendeu um governo de unidade nacional e criticou o clima de hostilidade que marcou a política boliviana nos últimos anos. “Não podemos permitir que o insulto e o ódio sejam parte do exercício democrático na Bolívia”, disse Paz. “A ideologia não dá de comer. O que dá de comer é o direito ao trabalho, instituições fortes e segurança jurídica.”
Paz terá de lidar com cenário difícil para governar, pois não tem uma maioria no Parlamento, e o novo presidente terá de formar alianças em um ambiente propenso à agitação social.
Na Câmara, o PDC de Paz terá 47 dos 130 assentos na próxima legislatura. No Senado, serão 16 das 36 cadeiras. O MAS, que até então detinha a maioria no Congresso, teve um dos piores resultados e quase sumiu do Legislativo.