Cartéis de droga diversificam negócios e se expandem na AL – 22/08/2025 – Mundo

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Ao longo do último século, os ticunas, o maior povo da Amazônia brasileira, resistiram às ameaças de madeireiros e garimpeiros ilegais em alguns dos trechos mais remotos da vasta floresta. Mas o desafio mais recente é mais intenso do que qualquer coisa que eles tenham enfrentado antes.

“Drones estavam sobrevoando esta área no ano passado”, diz o major Jonatas Soares, comandante da polícia militar regional, falando na vila de Ourique, cerca de 1.100 km a oeste da cidade de Manaus. Traficantes de drogas, afirma, “paravam lá, armazenavam a cocaína e depois lançavam drones para verificar o que estava acontecendo antes de continuar sua jornada”.

Informantes disseram que havia 200 quilos da droga armazenados ali, mas a polícia não conseguiu localizar o esconderijo.

Um dos maiores e mais inacessíveis trechos de floresta tropical do mundo, o Alto Amazonas tornou-se hoje uma supervia para a exportação de cocaína para a Europa, seu mercado global de mais rápido crescimento.

Todas as semanas, dizem as autoridades brasileiras, toneladas de cocaína seguem dos laboratórios ilícitos na selva dos vizinhos Peru e Colômbia por meio da amazônia até Manaus e o porto de Belém para exportação à Europa e África.

Às vezes, os traficantes pagam aos moradores locais para transportar apenas alguns quilos rio abaixo ou escondem quantidades maiores sob o assoalho de barcos motorizados. Em outra escala, embarcações semisubmersíveis, apelidadas de narco-submarinos, capazes de transportar várias toneladas de drogas, foram detectadas em rios que deságuam na amazônia vindos da Colômbia e do Peru.

“Imagine comprar diretamente dos produtores de coca por US$ 300 (cerca de R$ 1.680) o quilo e depois vender um quilo refinado por € 60 mil (cerca de R$ 366 mil) na Europa”, diz Soares. “Isso muda a vida de quem tenta a sorte trazendo a droga.”

O comércio global de cocaína está crescendo como nunca antes. O consumo europeu aumentou tão rápido nas últimas duas décadas que superou os EUA como o maior mercado de cocaína, enquanto os narcotraficantes agora estão atraindo novos usuários no Oriente Médio e na Ásia. Enriquecidos, os cartéis latino-americanos estão diversificando seus negócios do tráfico de drogas para uma série de outras atividades criminosas.

“Acreditamos que 2024 tenha sido o ano mais lucrativo de todos para o crime organizado na América Latina“, diz Jeremy McDermott, cofundador do Insight Crime, que acompanha atividades ilícitas na região. “Isso foi impulsionado principalmente por três economias criminosas. A primeira é a cocaína. Logo atrás vem o ouro… e em terceiro lugar o tráfico e o contrabando de pessoas.”

O crime e a violência relacionados às drogas costumavam se concentrar nas nações produtoras, como Peru, Colômbia e México, enquanto países como Argentina ou Chile permaneciam praticamente intocados.

Hoje, essa violência se tornou uma característica da vida em praticamente todos os países da região, atingindo até antigos refúgios como Costa Rica e Uruguai, uma nação de 3 milhões de pessoas às vezes chamada de Suíça da América Latina devido à sua relativa paz e prosperidade.

O crime organizado “se tornou a principal ameaça à estabilidade institucional de nossas nações”, diz Laura Chinchilla, ex-presidente da Costa Rica e especialista em segurança regional. “Nenhum país latino-americano hoje pode escapar disso.”

Alguns dos atores mais poderosos desafiam até mesmo os maiores Estados, criando vínculos com grupos de crime organizado consolidados na Europa e Ásia e gerando bilhões de dólares em lucros.

No centro das vastas operações criminosas da América Latina está a cocaína, de longe o negócio ilegal mais lucrativo. “Produção, apreensões e uso de cocaína atingiram novos recordes em 2023, tornando-a o mercado de drogas ilícitas que mais cresce no mundo”, disse o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc) em seu último relatório anual. “A produção ilegal disparou para 3.708 toneladas, quase 34% a mais que em 2022.”

Na Colômbia, maior produtora mundial, a produção de cocaína aumentou 53% de 2022 para 2023. Um senador e candidato à presidência, Miguel Uribe, foi baleado em junho em um comício em Bogotá e depois morreu em decorrência dos ferimentos, levantando temores de que o país andino possa voltar à violência política alimentada pela cocaína que o marcou nas décadas de 1980 e 1990.

Mas a cocaína é apenas parte do quadro. Especialistas dizem que os grupos de crime organizado latino-americanos agora operam um portfólio de negócios diversificados robusto o suficiente para absorver quedas cíclicas em uma área, como uma empresa legal.

“Criminosos estão começando a acumular receita em escala comparável ao PIB de nações, sem nenhum dos encargos de um Estado”, diz Ricardo Zúniga, ex-funcionário sênior do Departamento de Estado dos EUA e da Casa Branca para a América Latina. “Eles operam além-fronteiras em países com sistemas legais construídos para uma era passada.”

Essa combinação de negócios ilícitos representa o que Douglas Farah, presidente da IBI Consultants, uma empresa de pesquisa em segurança com sede em Washington, descreve como o novo modelo das máfias latino-americanas.

“Eles não são mais organizações de tráfico de drogas”, diz ele. “Eles vão mover qualquer coisa que transite por sua área de controle. Então, se você precisa de ouro, eles podem transportar o ouro para você. Se precisar de cocaína, tudo bem. Se quiser mover migrantes, tudo bem; se precisar mover armas, tudo bem. Todos esses novos mercados estão se abrindo.”

Os custos diretos do crime e da violência na América Latina foram estimados em 3,4% do PIB em 2022 pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) —equivalente a quase 80% de todo o orçamento público da educação na região. Mas seria tarde demais para conter essa tendência, em um momento em que os EUA, tradicionalmente líderes no combate ao tráfico, estão cada vez mais inclinados à ação militar unilateral contra os cartéis, em vez de ações conjuntas com países da região?

Trump designou oito cartéis latino-americanos como organizações terroristas estrangeiras e assinou secretamente uma diretiva ao Pentágono para começar a usar força militar contra eles, informou o New York Times neste mês. A ordem forneceria base oficial para operações militares diretas em alto-mar e em solo estrangeiro contra cartéis.

Drones espiões estão agora sobrevoando o México para reunir informações sobre os narcotraficantes, e forças aéreas e navais dos EUA foram implantadas no sul do Caribe para intensificar o combate aos traficantes. O Departamento de Estado dos EUA ofereceu recompensa de US$ 50 milhões por informações que levem à captura do ditador venezuelano Nicolás Maduro, acusando-o de ser um dos maiores traficantes do mundo.

Ainda assim, Trump concentrou-se principalmente na ameaça do tráfico mexicano de fentanil sintético, por ter causado a morte de cerca de 300 mil americanos nos últimos cinco anos.

A perspectiva de ataques militares unilaterais dos EUA contra gangues de drogas alarmou os governos latino-americanos, que temem violações à soberania nacional.

“É realmente difícil ser otimista”, diz McDermott, do Insight Crime. “Quer se ame ou se odeie Washington, os EUA sempre foram o único ator que pensava estrategicamente sobre o crime organizado transnacional e depois persuadia, pressionava e ocasionalmente coagia as nações latino-americanas a trabalharem juntas. Esses dias se foram.”

No tranquilo bairro de Villa Española, nos arredores de Montevidéu, a cada poucos minutos jovens em motocicletas passam em alta velocidade. Outros sentam em cadeiras fora das casas, vigiando a polícia. Uma ou duas vezes por semana, moradores dizem, a calma se transforma em tiroteios.

Há dois anos é assim, dia e noite, e você nunca sabe quando vai acontecer, diz uma mãe de dois filhos que falou sob condição de anonimato por medo de represálias. Segundo ela, chegam em frente a uma casa e atiram dentro ou se encontram em carros na rua e disparam. Não se importam se há crianças ou qualquer outra pessoa por perto.

À medida que a dinâmica do crime organizado mudou no continente, o litoral uruguaio tornou-se um ponto de trânsito para a exportação de cocaína para a Europa. A presença de toneladas de pó branco, valendo milhões de dólares, alimentou guerras territoriais violentas entre pequenos grupos locais em Montevidéu e outros lugares, muitas vezes por territórios de apenas alguns quarteirões.

“Nos últimos anos, o Uruguai passou de um porto de passagem para um local onde drogas são armazenadas”, diz Emiliano Rojido, assessor de segurança do governo centro-esquerdista do Uruguai.

Os últimos cinco anos foram coletivamente os mais violentos da história do Uruguai, enquanto as autoridades falhavam em conter o aumento de homicídios iniciado sete anos atrás. Houve 41% mais assassinatos em 2024 do que uma década antes.

Embora as autoridades estejam divididas sobre quantos assassinatos são causados por crime organizado, histórias macabras que inundam a mídia uruguaia abalaram o senso de excepcionalismo do país.

Nos últimos 12 meses, um bebê de 1 ano foi morto quando atiradores abriram fogo em sua casa; um traficante de 28 anos foi assassinado enquanto jogava futebol em um clube local; e um trecho nobre da rambla à beira-mar de Montevidéu foi abalado por um tiroteio durante o dia.

“Não estamos acostumados a ver desmembramentos ou assassinatos, e embora não sejam a maioria dos casos, são muito marcantes para as pessoas”, diz Rojido.

No Brasil, a natureza da atividade das gangues se transformou nos últimos anos. Por muito tempo, suas gangues de drogas não eram consideradas grandes atores do tráfico intercontinental, ao contrário dos notórios cartéis de outros países latino-americanos. As autoridades gostavam de retratar o país como vítima de gangues de países vizinhos que aproveitavam seu vasto território para transportar drogas a outros mercados.

Mas na última década, dois cartéis nacionais com extensas conexões internacionais passaram a rivalizar com os do México em influência. O Primeiro Comando da Capital (PCC), que começou nas prisões de São Paulo, tem conexões em 28 países, principalmente no comércio de drogas, segundo levantamento do Ministério Público, e criou vínculos com máfias albanesas e italianas.

O Comando Vermelho (CV), com base no Rio de Janeiro, segue de perto. Em uma prova de seu alcance geográfico, suas iniciais estão pichadas em prédios na cidade de Tabatinga (AM), na fronteira com a Colômbia.

Investidores e executivos no Brasil expressaram preocupação com o rápido crescimento do crime organizado em um país com pouca experiência em ação coordenada nacionalmente, que tende a ser combatido em nível estadual.

“O Brasil nunca enfrentou um cartel em nível nacional, e agora estão olhando para um que já tem raízes profundas em governos municipais nas principais rotas de drogas”, diz o ex-funcionário Zúniga. “E estão integrados à economia brasileira.”

Os traficantes estão cada vez mais penetrando negócios legítimos para lavar dinheiro; um membro do conselho de uma empresa brasileira conta como um conhecido foi forçado a vender um engenho de açúcar no coração industrial do país para um operador ligado ao PCC após receber ameaças.

“Se o Estado brasileiro não mudar sua postura em relação ao crescimento do PCC, podemos nos tornar um narco-Estado”, diz Lincoln Gakiya, promotor estadual de São Paulo que lidera o combate ao cartel.

Em maio, uma delegação dos EUA viajou a Brasília para alertar o governo de esquerda de Lula sobre as consequências negativas caso Washington designasse o PCC e o CV como organizações terroristas estrangeiras, segundo uma pessoa familiarizada com as conversas. Isso inclui sanções financeiras a indivíduos ou empresas que lidarem com os grupos. Os brasileiros realmente não entenderam, disse essa pessoa.

O Ministério da Justiça do Brasil afirma que combater o crime organizado é “um dos seus maiores compromissos”. O departamento afirma que suas ações de fiscalização até este ano confiscaram R$ 4,1 bilhões (US$ 755 milhões) de criminosos, mas não comentou sobre uma possível designação dos EUA ao PCC e CV.

Caso o Brasil não consiga conter os cartéis, o México mostra como pode ser o futuro.

Seus grupos de crime organizado, liderados pelo cartel de Sinaloa e pelo Cartel Jalisco Nova Geração (CJNG), operam com impunidade em cerca de um terço do território do país, segundo avaliação do chefe do Comando Norte dos EUA.

Os líderes do tráfico desencadearam um banho de sangue. Cerca de 45 mil pessoas por ano são mortas ou desaparecidas, a maioria presumidamente morta. Em comparação, toda a União Europeia, com população quase três vezes e meia maior, registrou menos de 4.000 homicídios em 2023.

Antes um destino tranquilo de praia no Pacífico, o estado mexicano de Colima teve a maior taxa de homicídios do país em oito dos últimos nove anos e deve voltar a liderar o ranking este ano. Também tem o maior número de fossas clandestinas per capita do país, muitas nas colinas verdes da região.

Colima abriga um dos maiores portos do México, Manzanillo, que lida com 40% do tráfego marítimo de contêineres do país e é ponto-chave de entrada de produtos químicos chineses usados na produção de fentanil. Isso o tornou um campo de batalha para o cartel de Sinaloa e o CJNG.

“O que os cartéis querem é controlar o porto”, diz o repórter local Roberto Macías Cruz. Para conseguir isso, as gangues enviam seus “guerreiros” para entrar em confronto, acrescenta.

Isso segue um padrão em toda a região, dizem especialistas. “Os portos se tornaram muito importantes porque você não consegue mover toneladas de cocaína do Brasil para a Europa Ocidental voando pequenas aeronaves como faria para os Estados Unidos“, diz Farah, da IBI.

Cidadãos de toda a América Latina estão exigindo respostas para o problema.

Segundo pesquisa da Ipsos em julho, 52% das pessoas nos seis maiores países latino-americanos indicaram crime e violência como sua maior preocupação, muito à frente de preocupações tradicionais como desemprego ou pobreza.

Chinchilla diz que a frustração está levando a dois extremos de política na região: uma que “simplesmente prescreve mais prisão para todos” e outra que “simplesmente se adapta a novas formas de governança criminosa… porque atacá-la geraria violência”.

Na Colômbia, onde o presidente de esquerda Gustavo Petro introduziu uma política de “paz total” com grupos armados, críticos dizem que o governo, na prática, abandonou grandes trechos do país para máfias de drogas e ex-guerrilhas dissidentes.

Petro pessoalmente é a favor da legalização da cocaína. Ele afirmou em fevereiro passado que a droga altamente viciante, envolvida na morte de 29.449 americanos em 2023, “não é pior que uísque”. Se fosse vendida em lojas, “seria como vender vinho”.

No outro extremo está El Salvador. O presidente de ultradireita Nayib Bukele alarmou ativistas de direitos humanos, mas encantou admiradores nas Américas com uma repressão implacável ao crime de gangues, que colocou cerca de 1,6% da população adulta atrás das grades. O presidente conservador do Equador, Daniel Noboa, tenta copiar alguns métodos de Bukele, e políticos no mesmo estilo estão concorrendo a eleições em toda a região.

Dentro da América Latina, divisões ideológicas e animosidade pessoal tornam quase impossível a colaboração entre presidentes, embora bancos de desenvolvimento regionais como BID e CAF tenham promovido iniciativas de segurança e pesquisas sobre políticas para enfrentar o crime organizado.

“O grande desafio para os Estados é criar estruturas institucionais não repressivas dentro das democracias, em oposição ao modelo Bukele, onde você simplesmente coloca todos na prisão e espera que eles morram”, diz Farah, da IBI.

“Mas esse é um processo de longo prazo que muitos países não vão querer enfrentar. Eles simplesmente não têm tempo, recursos ou vontade política.”



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