Pela primeira vez, a China apresentou na ONU, nesta semana, uma meta absoluta de redução de emissões. O gesto foi tratado como um ponto de virada porque qualquer mudança em Pequim altera o destino coletivo, já que o país responde sozinho por mais de 30% do dióxido de carbono global e, por isso, suas decisões determinam se o Acordo de Paris ainda é viável.
A expectativa era alta, em especial diante do vácuo deixado por Washington, mas bastou examinar os números para perceber a distância entre a retórica e a necessidade.
O corte prometido, de apenas 7% a 10% até 2035 em relação ao pico de emissões, foi divulgado como sinal de responsabilidade, mas pareceu a repetição de uma prudência que não condiz mais com a escala da crise.
Pequim não definiu quando esse pico ocorrerá, o que torna a meta pouco transparente e dificulta comparações com o que a ciência indica. Para alinhar-se ao Acordo de Paris, seria preciso um corte de 30% até 2035 a partir dos níveis atuais, algo que especialistas afirmam estar ao alcance.
Os dados sugerem que mirar mais alto seria plenamente possível. Em 2024, a China instalou 360 gigawatts em renováveis, valor superior a toda a capacidade solar acumulada pelos Estados Unidos. O efeito foi global, já que a produção chinesa ajudou a reduzir em 90% o custo da energia solar na última década.
Ademais, no primeiro semestre de 2025, suas emissões caíram 1% em relação ao ano anterior, prolongando a tendência de queda iniciada em 2024. Em 2023, o país já havia superado a meta de 1.200 gigawatts em solar e eólica prevista para 2030 e agora promete chegar a 3.600 gigawatts em 2035, objetivo plausível de ser atingido antes se o ritmo atual continuar.
São evidências de que a meta anunciada na ONU foi menos técnica e mais política. A desaceleração econômica pressiona o regime, e regiões dependentes do carvão mantêm peso desproporcional dentro do Partido Comunista.
Ao mesmo tempo em que energia limpa já responde por mais de 10% do PIB, usinas a carvão continuam sendo aprovadas e sua importância como fonte de eletricidade segue forte, a despeito das significativas emissões de metano (o segundo maior gás de efeito estufa) que geram.
A prudência também reflete o contexto externo. Em 2015, Obama e Xi anunciaram que os EUA cortariam 26% a 28% das emissões até 2025 em relação a 2005, enquanto a China prometia atingir o pico até 2030 e aumentar a fatia de energia não fóssil a 20%.
À época, o gesto conjunto foi essencial para viabilizar o Acordo de Paris. Passados dez anos, Trump enfraqueceu a pressão americana, a União Europeia continua dividida sobre sua meta de 2035 e, diante desse vácuo de liderança, Pequim preferiu repetir a cautela em vez de assumir ousadia.
A China já responde por 75% da produção mundial de veículos elétricos, investiu US$ 625 bilhões em renováveis em 2024 e se consolidou como a espinha dorsal da transição energética global. A prática mostra um país capaz de acelerar a transformação em escala inédita, mas o discurso oficial permanece tímido.
Ao anunciar uma meta modesta, Pequim preserva margem de manobra, mas revela a hesitação de uma potência que domina os pilares da economia verde e, mesmo assim, evita assumir o papel que a história lhe oferece.
Sem ambição explícita, a transição chinesa não reorganiza a política global nem gera a confiança necessária no esforço coletivo. Essa ausência pode definir não apenas o futuro do clima, mas também o lugar da própria China no século que já começou a moldar.