Para Chen, 26, ser uma mulher gay chinesa é uma “experiência conflitante”. Se, de um lado, ela se vê sob um regime que não aprova a cultura homossexual, evita discuti-la e até a restringe em alguns casos, de outro, diz viver em uma sociedade que aparenta não ligar para sua orientação sexual.
Hoje, em um relacionamento, sente-se confortável o suficiente para andar de mãos dadas com a namorada na rua.
“Do ponto de vista do trabalho e da vida cotidiana, a maioria das pessoas com quem tenho contato na verdade é indiferente à minha identidade homossexual —embora, em certo sentido, isso também ocorra porque ‘isso não tem nada a ver comigo, desde que não seja meu filho ou minha filha’.”
O relato de Chen converge com a avaliação de especialistas, estudos e organizações de direitos humanos de que a China tem aumentado a vigilância e a repressão a pessoas LGBTQIA+, enquanto a população se torna, ao mesmo tempo, mais aberta ao grupo.
Questionado pela Folha, o regime chinês, por meio do Ministério das Relações Internacionais, afirma que desconhece os assuntos tratados na reportagem.
O caso mais recente das restrições impostas pelo regime chinês foi o banimento dos dois principais aplicativos de relacionamento utilizados por esse público. No início de novembro, autoridades ordenaram a remoção do Blued e do Finka, os mais populares entre o grupo.
O episódio ocorre quase quatro anos após a exclusão no país do aplicativo de encontros Grindr, usado principalmente por homens.
“Após uma ordem da Administração do Ciberespaço da China (CAC), retiramos esses dois aplicativos apenas da loja chinesa”, declarou um porta-voz da Apple à AFP. “Respeitamos as leis dos países nos quais operamos.”
O movimento se dá num momento em que a China recrudesce a censura online, e quase três décadas após a descriminalização da homossexualidade, em 1997. O casamento entre pessoas do mesmo sexo, porém, continua proibido.
Para Bao Hongwei, professor de estudos de mídia na Universidade de Nottingham (Reino Unido), trata-se de um caso de censura que “faz parte da regulamentação estatal contínua sobre os espaços digitais queer na China”. Na visão do especialista, espaços de convivência físicos e digitais vêm encolhendo no país.
“Os aplicativos de mídia social na China desempenham um papel importante para pessoas LGBT em um ambiente em que os valores da família heterossexual são a norma e onde a educação sexual amigável à comunidade LGBT está ausente tanto nas escolas quanto na mídia tradicional. Essas plataformas ajudam jovens a se entenderem, fazerem amizades e encontrarem comunidades”, diz ele.
Após a remoção das plataformas, relatos nas redes sociais apontaram que hashtags e supertópicos na rede social Weibo, semelhante ao X, foram desativados. A Folha procurou pela hashtag “Eu sou homossexual”, um dos mencionados por usuários, e confirmou que o espaço de debate está inativo.
Usuários também afirmam que não é a primeira vez que esse tipo de exclusão ocorre. Há relatos de que outras hashtags, como “Les”, usada por grupos de mulheres lésbicas, também foram desativadas anteriormente.
Há cerca de dois meses, Pequim deu mais um passo em relação ao monitoramento e à exclusão de conteúdo político nas redes sociais. Sob uma campanha liderada pela Administração do Ciberespaço da China para lidar com a “incitação maliciosa de emoções negativas”, conteúdos com teor crítico ao regime vêm desaparecendo.
Após o lançamento da ação, a conta oficial do Weibo comunicou a suspensão de “mais de 16 mil conteúdos violadores” e “mais de 1.200 contas infratoras”. Segundo a plataforma, os usuários afetados “fabricaram e disseminaram rumores e informações relacionadas à economia, às finanças e ao bem-estar social”.
Esse recrudescimento, porém, não se reflete na opinião pública chinesa. Uma pesquisa feita em 2024 com 2.926 cidadãos da China continental pelo Williams Institute (EUA) mostrou que aqueles que concordam total ou parcialmente com a afirmação de que pessoas LGBTQIA+ devem ser aceitas na sociedade somam 91%.
Com relação às mídias sociais, 87% dos entrevistados disseram total ou parcialmente concordar com a ideia de que não se importam em ver conteúdo LGBTQIA+ nas redes.
A organização Human Rights Watch, em seu relatório sobre o país em 2024, afirmou que “embora haja uma crescente aceitação pública da igualdade de direitos para pessoas LGBT na China, o aumento da repressão também levou a uma maior censura e ao fechamento de espaços e grupos de defesa dos direitos LGBT”.
O documento também cita a exclusão de publicações favoráveis ao grupo nas redes sociais e o fechamento de espaços físicos de convivência.
O professor Bao pondera que cresce na China um nacionalismo cultural no qual o grupo LGBTQIA+ é classificado como ocidental e, por isso, considerado inadequado —movimento que, afirma, é endossado pelo regime. “A identidade e os direitos LGBT são, de alguma forma, vistos como ‘estilos de vida ocidentais’, ignorando a longa história da homossexualidade na China antiga e moderna. As atuais tensões geopolíticas entre a China e o Ocidente não favorecem uma compreensão mais nuançada da cultura LGBT como trans-histórica e transcultural.”



