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A China oficializou nesta segunda (22) a criação de uma nova categoria de visto voltada a profissionais estrangeiros de ciência e tecnologia. O visto K elimina a exigência de patrocínio do empregador para quem for qualificado e quiser trabalhar no país.
Vendido como uma solução migratória que dá aos portadores “maior liberdade para trabalhar, pesquisar e empreender” no país, o novo documento é visto também como uma resposta aos Estados Unidos e uma tentativa de atrair talentos indianos.
O lançamento ocorreu em meio às novas restrições dos EUA ao visto H-1B. O governo Trump anunciou que passará a cobrar uma taxa de US$ 100 mil (cerca de R$ 532 mil) para novos solicitantes.
- O H-1B permite que trabalhadores estrangeiros, principalmente de ciência e tecnologia, tenham a chance de serem empregados nos EUA.
- A mudança na política americana atinge especialmente engenheiros indianos, que respondem por mais de 70% dos portadores do visto, e abre espaço para Pequim disputar esse contingente.
O visto K se soma a programas chineses já em andamento, como o Plano dos Mil Talentos e o Qiming, que oferecem bônus milionários e subsídios para pesquisadores em áreas estratégicas como semicondutores e inteligência artificial. O objetivo é reforçar a “estratégia de poder de talentos” do governo Xi Jinping e acelerar a autossuficiência tecnológica.
Especialistas avaliam, no entanto, que a nova política dificilmente atrairá de imediato os indianos que historicamente buscaram o Vale do Silício. Barreiras culturais e a rotina de trabalho “996” (das 9 da manhã às 9 da noite, seis dias por semana) limitam o apelo chinês, mesmo diante de salários competitivos.
Por que importa: o visto K é menos uma solução imediata e mais um sinal estratégico. Ao se contrapor ao protecionismo americano, Pequim tenta se projetar como polo global de inovação e reposicionar sua imagem de país exportador de mão de obra para importador de cérebros.
A disputa por engenheiros indianos também expõe um deslocamento na geopolítica da tecnologia, com os EUA buscando restringir a entrada de profissionais, a Índia tentando reter, e a China procurando absorver esses talentos.
A eficácia dependerá não só da atratividade financeira, mas da capacidade de Pequim de construir um ambiente em que estrangeiros queiram se fixar, algo que, por enquanto, segue sendo o maior obstáculo da sua estratégia de atração de talentos.
pare para ver
Tela de Nandalal Bose, que ilustrou a Constituição indiana, foi mestre da escola de Santiniketan e um dos primeiros a adaptar “wash painting” (aguada) chinesa/japonesa à iconografia indiana. Bose aprendeu a técnica em Hangzhou e se notabilizou como um dos exemplos máximos do intercâmbio cultural entre Índia e China contemporânea. Saiba mais sobre ele aqui.
O que também importa
★ A China testou pela primeira vez seu porta-aviões mais avançado, o Fujian, lançado em 2022. O navio conseguiu operar caças de nova geração e aviões de alerta antecipado usando um sistema de catapultas similar ao da Marinha americana, algo inédito fora dos EUA. Com capacidade para 40 aeronaves, o Fujian marca um salto em poder militar, permitindo que Pequim projete força mais longe de suas costas. Especialistas avaliam que o navio deve ser incorporado em breve, em meio à corrida naval com Índia, Japão e outros países da região.
★ Um grupo bipartidário de parlamentares dos EUA iniciou no domingo (21) uma rara visita a Pequim, pedindo mais diálogo militar entre os dois países. Recebida pelo premiê Li Qiang, a delegação liderada pelo democrata Adam Smith foi descrita como uma “viagem de quebra-gelo”, a primeira da Câmara dos Representantes desde 2019. Smith afirmou que, além de comércio e economia, a prioridade é retomar conversas entre as Forças Armadas, hoje quase inexistentes. O grupo, que fica na China até quinta (25), chega em meio a tensões sobre Taiwan, a guerra na Ucrânia e disputas no Mar do Sul da China.
★ O conglomerado americano Berkshire Hathaway, controlado pelo investidor bilionário Warren Buffett, encerrou seu investimento na chinesa BYD após 17 anos, segundo documento divulgado na segunda (22). Em 2008, Buffett pagou US$ 230 milhões por 10% da montadora, em uma aposta que se valorizou mais de 20 vezes antes de começar a ser desfeita em 2022. A saída ocorre enquanto a BYD, maior rival da Tesla, enfrenta queda nas vendas domésticas, responsáveis por 80% de seus embarques, e registra o primeiro recuo trimestral no lucro em três anos e meio.
Fique de olho
A China criticou duramente Binyamin Netanyahu após o primeiro-ministro acusar Pequim e o Qatar de conduzirem um “bloqueio político” contra Israel.
A embaixada chinesa em Tel Aviv chamou a declaração de infundada e afirmou que a imagem negativa de Israel decorre de suas próprias ações em Gaza. O comunicado citou um provérbio sobre “retirar a lenha para apagar o fogo” e pediu cessar-fogo imediato, defesa dos direitos palestinos e adoção da solução de dois Estados.
O próprio Netanyahu reconheceu que Israel vive um isolamento crescente e disse que o país terá de adotar uma economia de características autárquicas, com produção doméstica de armamentos.
China e Qatar como alvos. O alerta veio em meio à proposta da Comissão Europeia de suspender parcialmente o acordo de associação, à imposição de restrições por países europeus e a decisões de desinvestimento de grandes fundos. Ainda assim, o primeiro-ministro voltou a culpar Pequim e Doha por campanhas de propaganda anti-Israel, enquanto a oposição acusou sua política de levar o país ao isolamento.
A crise ganhou outro foco com a viagem do deputado israelense Boaz Toporovsky a Taiwan. Ele liderou uma delegação da Knesset (parlamento israelense), reuniu-se com o líder da ilha, Lai Ching-te, e entregou uma declaração de 72 parlamentares em apoio à participação internacional da ilha.
A embaixada chinesa respondeu com ameaça sem precedentes, afirmando que, se não for contido, o parlamentar “cairá e se estilhaçará rumo ao abismo”. Pequim também acusou Toporovsky de violar repetidamente o princípio de Uma Só China e de minar a base das relações bilaterais.
Por que importa: o atrito em duas frentes, Gaza e Taiwan, aumenta o custo diplomático para Israel e deixa Tel Aviv ainda mais dependente dos Estados Unidos. Para a China, o episódio serve para reforçar sua presença no Oriente Médio e enviar um recado claro sobre sua linha vermelha em relação a Taiwan.
Para ir a fundo
- O curso de história da USP está realizando há três semanas o minicurso “Introdução à Cultura Chinesa”, ministrado pelo tradutor Rud Eric Paixão. O próximo encontro acontece no dia 25 e falará sobre a China contemporânea. Após a conclusão do curso, todas as aulas estão gratuitamente disponíveis no canal do YouTube da graduação. Saiba mais aqui.
- Começa neste mês a Mostra de Cinema Chinês, realizada pelo Instituto Confúcio na Unesp em parceria com o Centro Cultural São Paulo (CCSP). Celebrando dez anos, o evento terá programação divulgada aos poucos no perfil da organização no Instagram. Interessados podem conferir mais informações aqui.