Com dalai lama perto dos 90, tibetanos temem pelo futuro – 21/06/2025 – Mundo

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Ao longo de quase sete décadas desde que o dalai lama liderou seu povo —dezenas de milhares de tibetanos —para fora do Tibete a fim de escapar da perseguição da China, ele se dedicou a sustentar uma nação no exílio.

Como líder espiritual e político dos budistas tibetanos, ele estabeleceu uma pequena democracia no Himalaia indiano, com um parlamento —com todas as suas rotinas de debates. Criou uma burocracia que incentivou uma cultura de serviço entre um povo disperso. Em assentamentos de refugiados por toda a Índia, a administração tibetana comanda escolas, clínicas, mosteiros, cooperativas agrícolas e até asilos.

Mas, à medida que o dalai lama completa 90 anos no próximo mês, os tibetanos no exílio estão ansiosos quanto ao destino de sua nação sem Estado.

O homem que tem sido a força unificadora e o rosto mais reconhecível dos tibetanos está cada vez mais frágil. Seu objetivo de retornar seu povo à terra natal ainda parece distante, enquanto a China trabalha para concluir a tarefa de esmagar o movimento tibetano por autonomia. E, diante de um futuro de exílio contínuo, os tibetanos veem Estados Unidos e outras potências globais como aliados cada vez menos confiáveis.

“Esperamos pelo melhor, mas nos preparamos para o pior”, disse Tsering Yangchen, membro do parlamento tibetano no exílio, evocando uma frase do próprio dalai lama.

Durante as comemorações de seu aniversário, no dia 6 de julho, o dalai lama prometeu revelar um plano para definir seu sucessor, levando em conta as complexidades do momento. A mais urgente: lidar com os esforços da China para sequestrar o processo sucessório.

Pela tradição tibetana, a busca pela reencarnação do dalai lama, que se torna seu sucessor, só começa após a morte do atual. Após ser reconhecido ainda bebê, pode haver um hiato de quase duas décadas até que o novo dalai lama seja preparado e assuma o posto.

O dalai lama já sugeriu que pode romper com essa tradição, numa aparente estratégia para frustrar os planos chineses e evitar um vácuo de poder que Pequim poderia explorar em sua tentativa de controlar o budismo tibetano.

Ele afirmou que seu sucessor nascerá em um país livre —indicando que poderia vir da comunidade tibetana no exílio, que soma cerca de 140 mil pessoas, metade delas na Índia. Também disse que o sucessor pode ser um adulto, e não necessariamente um homem.

A China já tem um modelo pronto de intervenção em sucessões tibetanas. Após a morte do 10º panchen lama —segunda maior autoridade espiritual do Tibete— em 1989, o menino reconhecido pelo dalai lama como sucessor desapareceu ainda aos seis anos de idade e nunca mais foi visto.

Em seu lugar, a China escolheu e promoveu seu próprio panchen lama. No início deste mês, esse lama se encontrou com o líder chinês Xi Jinping e reafirmou lealdade ao Partido Comunista Chinês.

Mas interferir na sucessão do dalai lama pode provocar agitação entre os cerca de 6 milhões de tibetanos que vivem na região.

“O dalai lama está fora de sua casa e de seu país há 65 anos, e isso já criou uma profunda sensação de dor, raiva, frustração e decepção entre os tibetanos dentro do Tibete,” afirmou Tenzin Tsundue, ativista e poeta tibetano. “Isso vai, você sabe, explodir como um vulcão.”

A questão sucessória torna-se ainda mais urgente com a crescente fragilidade do dalai lama, cujos compromissos públicos têm sido cada vez mais limitados.

Antes de uma de suas raras sessões de ensinamentos no outono passado, ele precisou se deslocar de carrinho de golfe até o templo. Dois monges o ajudaram a se sentar.

Quando o dalai lama espirrou, muitos na plateia olharam apreensivos. Um monge se aproximou para limpar o canto de sua boca. Entre as perguntas que ele respondeu durante a breve sessão de 30 minutos: como ser um budista tibetano no século 21?

“Lógica e razão,” respondeu ele. “Não apenas fé cega nos ensinamentos de Buda.”

Mais de oito décadas atrás, sua ascensão também foi marcada por um período turbulento que ajudou a moldar seu compromisso vitalício com a continuidade.

Após a morte de seu antecessor, o 13º dalai lama, em 1933, aos 57 anos, uma comissão de busca iniciou a procura por uma criança que pudesse se tornar o novo líder espiritual do Tibete.

O menino foi encontrado após dois anos de esforços. A comissão chegou à casa da família em pleno inverno rigoroso, com 1,2 metro de neve, segundo escreveu a mãe do futuro dalai lama em suas memórias.

Para levá-lo até Lhasa, a capital do Tibete, foi preciso pagar resgates a senhores da guerra locais. Sua educação e sua ascensão ao comando político foram aceleradas, já que o governo chinês aproveitava o vácuo de liderança para apertar o cerco à região autônoma.

Se uma lacuna semelhante ocorrer após a morte do atual dalai lama —com o agravante de uma nação agora no exílio— seria “um desastre”, disse Lobsang Tenzin, educador tibetano mais conhecido como Samdhong Rinpoche.

Ele atuou como primeiro-ministro da administração central tibetana no exílio e é amigo do dalai lama há mais de 60 anos. Rinponche contou que, desde o início, o líder espiritual tibetano se dedicou a criar instituições capazes de manter o povo unido mesmo após sua partida.

“Na primeira reunião, ele me disse que os monges não podiam mais ser apenas monges —apenas meditar e estudar,” lembrou Rinponche sobre os primeiros meses no exílio, quando ainda era adolescente. “Deveríamos aprender com os monges e freiras cristãos. Eles trabalham como enfermeiros, professores ou médicos.”

Nas décadas seguintes, Samdhong Rinpoche testemunhou de perto os esforços do dalai lama para se afastar politicamente das instituições que construiu com terras cedidas pelo governo indiano.

Ele queria que seus poderes políticos fossem transferidos para uma democracia autônoma, mantendo-se apenas como líder espiritual do povo tibetano. “Sua Santidade era categórico: mais cedo ou mais tarde, Sua Santidade deveria se tornar irrelevante,” disse ele.

Isso, porém, era mais fácil de dizer do que de realizar, já que o dalai lama se tornou uma figura insubstituível —tanto de líder como de celebridade internacional com uma vasta rede de arrecadação de fundos.

Mas seu poder político foi parcialmente transferido em 2001 e totalmente em 2011, quando os tibetanos elegeram, por voto em assentamentos de refugiados na Índia e comunidades ao redor do mundo, um sikyong —equivalente a um presidente.

“Ele é meu chefe,” disse o dalai lama em 2012, ao apresentar o novo líder eleito. “Mas, em assuntos espirituais, ainda sou o chefe dele!”

O atual sikyong é Penpa Tsering, 62. Como seu antecessor, nasceu em um campo de refugiados na Índia e nunca esteve no Tibete.

A administração de Tsering funciona com um orçamento anual modesto, de cerca de US$ 35 milhões. Cerca de um décimo vem de pequenas contribuições dos exilados —algo como uma taxa de filiação. O restante vem de países como Estados Unidos, Índia e nações europeias.

Mas o governo de Donald Trump cortou parte da ajuda, incluindo milhões de dólares destinados a fortalecer as instituições tibetanas. A Índia, por sua vez, tem se mantido em silêncio sobre a sucessão, à medida que tenta manter relações diplomáticas delicadas com a China.

Duas vezes por ano, o Parlamento tibetano, com 45 membros, se reúne em Dharamsala, na Índia, para aprovar o orçamento e revisar o desempenho do governo. A maioria dos parlamentares tem outros empregos, como professores ou donos de restaurantes.

Eles usam intensamente as redes sociais para manter unida essa nação na terceira geração do exílio. O sikyong, em entrevista no outono passado, brincou dizendo que seu papel é o de um “guia turístico digital”, ajudando o povo tibetano a se conectar.

Grande parte de seu tempo é gasto em viagens, tentando preencher os enormes sapatos do dalai lama como defensor da causa tibetana.

“Antes, não precisávamos trabalhar tanto porque Sua Santidade estava presente,” disse Tsering.

“Nós não temos o mesmo respeito,” acrescentou. “Sou apenas um tibetano comum, de origem camponesa.”



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