Os ataques aéreos de Israel ao programa nuclear do Irã aumentaram os temores de contaminação por radiação e produtos químicos tóxicos. O diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), órgão global de fiscalização, classificou os ataques à infraestrutura nuclear como “profundamente preocupantes”.
A escalada militar “aumenta a chance de um vazamento radiológico com sérias consequências para as pessoas e o meio ambiente”, disse Rafael Grossi nesta terça-feira (17). Os ataques a instalações nucleares representam riscos evidentes à segurança, mas os ataques de Israel parecem ter evitado os alvos mais perigosos, como usinas de energia, afirmam cientistas.
Aqui está o que sabemos até agora.
Os ataques aéreos provocaram alguma contaminação nuclear?
O ataque à instalação de enriquecimento de urânio de Natanz causou radioatividade localizada, afirmaram autoridades nucleares iranianas e internacionais, mas não parece ser grave.
A AIEA, em duas avaliações realizadas esta semana, afirmou que os ataques de Israel danificaram tanto as salas subterrâneas de enriquecimento em Natanz quanto as instalações acima do solo, incluindo uma usina piloto de enriquecimento de combustível. Grossi disse que isso causou alguma contaminação.
Mas os níveis de radiação fora do complexo de Natanz permaneceram inalterados e em níveis normais, indicando “nenhum impacto radiológico externo para a população ou o meio ambiente”, disse Grossi na segunda-feira.
A contaminação radioativa na instalação compreende principalmente partículas alfa, que Grossi disse que poderiam ser “efetivamente gerenciadas” com proteção adequada, como dispositivos respiratórios.
A radiação alfa pode causar danos graves ao tecido vivo interno se a fonte for inalada ou entrar no corpo através de uma ferida. Mas os efeitos das partículas alfa são de curto alcance, portanto, se permanecerem fora do corpo, geralmente são bloqueados pela pele humana.
Os níveis de radiação fora do local também permaneceram inalterados na usina nuclear de Isfahan após um ataque na sexta, disse Grossi. Nenhum dano foi relatado na usina de enriquecimento de combustível de Fordow ou no reator de água pesada de Khondab, em construção, acrescentou ele.
É possível ocorrer uma contaminação por radiação mais grave, especialmente se os ataques aéreos continuarem?
O urânio em si é fracamente radioativo. É muito mais perigoso quando passa por uma reação de fissão, como em um reator nuclear ou bomba, que libera grandes quantidades de energia e outros produtos químicos radioativos. Nem a Usina Nuclear de Bushehr nem o Reator de Pesquisa de Teerã foram alvos dos ataques israelenses, disse a AIEA na segunda.
Fora das condições encontradas em reatores nucleares ou instalações de reprocessamento de resíduos, seria necessária uma grande quantidade de urânio enriquecido para produzir problemas significativos de radioatividade, afirmam os especialistas.
“A contaminação radioativa muito grave está geralmente associada a outros elementos, como o iodo radioativo ou o césio radioativo, que são produtos da fissão nuclear”, afirmou Jim Smith, professor da Faculdade de Ciências Ambientais e da Vida da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido.
Esses produtos de fissão são especialmente perigosos porque se infiltram na cadeia alimentar e se acumulam no corpo dos animais, incluindo os seres humanos.
Os produtos de fissão foram responsáveis por grande parte das consequências devastadoras da explosão de 1986 na usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, que na época estava sob o domínio soviético.
Existem outros riscos a serem considerados em relação a Natanz ou outras instalações?
Outra razão pela qual complexos como Natanz e Fordow podem representar riscos relativamente baixos de radiação externa é que seus núcleos estão enterrados no subsolo. Isso significa que, para destruí-los, seria necessária uma potência de fogo talvez superior até mesmo às armas mais poderosas de Israel.
Mesmo munições muito poderosas provavelmente teriam que causar vários impactos para “penetrar totalmente um bunker subterrâneo reforçado” como Natanz, disse Simon Bennett, diretor da unidade de segurança civil da Universidade de Leicester.
“É improvável que haja contaminação significativa além dos limites do local, pela simples razão de que a instalação de enriquecimento ou o reator estariam enterrados em toneladas de terra e concreto”, disse Bennett. “Além disso, aqueles que administram o local teriam sido treinados em técnicas de monitoramento e mitigação de radiação.”
Um ataque aos depósitos de urânio altamente enriquecido que se acredita estarem em Isfahan poderia criar um risco de contaminação ambiental, disseram especialistas. Os danos em Isfahan foram ao laboratório químico central, uma usina de conversão de urânio, uma usina de fabricação de combustível para reatores e uma instalação de processamento de metais em construção, disse a AIEA.
A campanha de ataques aéreos poderia criar outros problemas de segurança?
A contaminação química pode ser o principal problema causado pelos ataques até agora e pelos que estão por vir, afirmam os cientistas.
“A principal preocupação é química, e menos radiológica”, disse Kenneth Petersen, presidente da American Nuclear Society entre 2023 e 2024, uma organização sem fins lucrativos que representa especialistas na área.
Um dos riscos é a possível liberação de hexafluoreto de urânio, usado no enriquecimento de combustível e presente em instalações como Natanz e o depósito de Isfahan.
O hexafluoreto de urânio apresenta risco limitado se manuseado com cuidado em temperaturas ambientais normais. Mas o contato com a água —inclusive no ar— pode fazer com que ele libere fluoreto de hidrogênio tóxico. Esse gás pode se espalhar e é potencialmente letal se inalado, pois forma ácido fluorídrico altamente corrosivo ao entrar em contato com a água no corpo.
Era possível que hexafluoreto de urânio, fluoreto de uranila e fluoreto de hidrogênio tivessem se dispersado dentro da instalação de Natanz, disse a AIEA na segunda.
Em 1986, uma explosão acidental em uma usina de conversão de urânio em Oklahoma matou um trabalhador e liberou hexafluoreto de urânio, poluindo o solo e a água em vários quilômetros ao redor.
Existem regras internacionais sobre ataques a instalações nucleares?
A AIEA já condenou anteriormente ataques armados e ameaças contra instalações nucleares dedicadas a fins pacíficos. A conferência geral dos 180 Estados-membros da agência —que incluem Israel e Irã— afirmou que tais ações violam suas próprias regras, os princípios da Carta das Nações Unidas e o direito internacional.
Israel argumenta que o Irã está tentando construir uma arma atômica, o que Teerã nega. Na quinta-feira, o conselho da AIEA declarou que o Irã violou suas obrigações de não proliferação nuclear pela primeira vez em duas décadas.
Em 2022, a Rússia atacou e ocupou a usina nuclear de Zaporíjia, na Ucrânia, como parte de sua invasão total do país.A AIEA alertou que o incidente foi “a primeira vez que um conflito militar ocorreu em meio às instalações de um grande e estabelecido programa de energia nuclear”.