Após três anos, cinco meses e 23 dias, a Guerra da Ucrânia chega a mais um ponto de inflexão com a cúpula relâmpago entre Donald Trump e Vladimir Putin, uma semana após seu anúncio. Os presidentes se encontrarão nesta sexta-feira (15) no Alasca, com o russo em vantagem tática sobre o americano.
De cara, perdem Kiev e a Europa, que não estarão presentes à base militar Elmendorf-Richardson, em Anchorage. Na quarta (13), Trump tentou acalmar Volodimir Zelenski e seus aliados em uma videoconferência, mas a ausência deles é uma vitória de saída para Putin.
Outro trunfo na mão do russo é sua posição militar reforçada por um avanço surpresa que ameaça as defesas ucranianas na região de Donetsk, no leste do país, joia da coroa da lista oficial de desejos do Kremlin.
Kiev enviou às pressas tropas para a região e promoveu um grande ataque com drones nesta quinta (14), ferindo 16 pessoas no sul da Rússia e incendiando uma refinaria de petróleo. É uma demonstração assimétrica de força, mas sua posição está precária.
Um sinal do ânimo do Kremlin foi dado pelo próprio presidente nesta quinta. Ao comunicar a seu gabinete de forma oficial a viagem aos Estados Unidos, a primeira de um líder do país desde que a Rússia imperial vendeu o território aos americanos em 1867, ele mirou alto.
Disse que a Ucrânia seria o tema central, mas que ele abriria “condições para paz no longo prazo” com EUA e Europa. “E no mundo como um todo, se chegarmos a acordos na área de controle de armas ofensivas estratégicas nas próximas etapas”, disse. O último tratado vigente sobre armas nucleares, a que ele se referia e que está congelado, vence em fevereiro.
Com efeito, um dos organizadores do encontro, o assessor presidencial russo Iuri Uchakov, disse que sua delegação irá ao Alasca “com espírito empresarial”. A presença do czar dos investimentos do país, Kirill Dmitriev, não é casual —não menos porque ele é o principal interlocutor com o influente negociador-chefe americano, Steve Witkoff.
Assim, temas como acordos sobre exploração de minerais estratégicos podem ser abordados. Por óbvio, tudo passa pela questão central das sanções que engasgam a economia russa.
Este é a principal carta de Trump, que na quarta havia dito que a Rússia sofreria “consequências muito severas” caso Putin não aceite algum tipo de trégua. O americano já as desenhou na forma de punições secundárias a países compradores de energia russa.
Isso inclui China, Índia e Brasil, parceiros de Moscou no bloco Brics, e Trump usou os indianos como exemplo ao já aplicar sobretaxa total de 50% sobre suas exportações aos EUA por ser o segundo maior destino do petróleo russo.
Segundo a Folha ouviu de pessoas próximas do Kremlin, a dureza com Nova Déli impressionou Putin.
Há também o domínio que o russo já demonstrou ter sobre o americano em encontros pregressos. Na única cúpula oficial que fizeram, na Finlândia em 2018, Trump disse que confiava na palavra de Putin, que lhe havia assegurado não ter interferido em seu favor na eleição de 2016.
Em 2021, a principal assessora de Trump à época do encontro, Fiona Hill, disse à BBC que ficou tão desesperada com o rumo da entrevista coletiva do chefe que pensou em fingir um ataque cardíaco para encerrar o evento.
Nesta sexta, após uma conversa a sós com intérpretes, um reunião ampliada com delegações e um café da manhã, haverá nova oportunidade do tipo para testar os nervos dos assessores.
Pesa em favor de experiente Putin o fato de que a cúpula foi um improviso de Trump. Não se tem notícia de encontro de tal quilate sendo realizado uma semana após o anúncio, ainda mais feito no dia em que o americano havia dado como prazo para o russo aceitar o cessar-fogo ou enfrentar punições.
Nada disso ocorreu. Em Moscou, claro, há desconfiança sobre a generosidade. A crença é de que Trump vai manter a palavra sobre exigir concessões territoriais que na prática só afetam Kiev, mas usar sanções para forçar a aceitação de algum tipo de cooperação militar com os 80% da Ucrânia que deverão sobreviver com o Ocidente.
É algo difícil para Putin, que fez do veto à entrada dos ucranianos na aliança Otan o motivo central da guerra e já disse que suas demandas, que incluem quatro regiões do vizinho e foram colocadas no papel nas rodadas de conversas diretas entre Moscou e Kiev, não mudaram. Mas algo alternativo, como aceitar uma força de paz garantidora da posição de Zelenski, pode acabar aprovado.
Nesta quinta, o ucraniano esteve com o premiê britânico, Keir Starmer, justamente para o que ele chamou de “conversa detalhada” sobre tais salvaguardas europeias. O temor em Kiev é de que, uma vez assentados, os russos apenas irão se preparar para retomar a guerra mais à frente.
Há inúmeras opções no cardápio de problemas, como a definição de fronteiras e o destino de populações deslocadas. Mas o fato de que serão Trump e Putin a discutir torna incontornáveis comparações históricas, por imprecisas que sejam.
Se Kiev sempre lembra da partilha da Tchecoslováquia para apaziguar sem sucesso a Alemanha nazista em 1938, os próprios russos já citaram a conferência de Ialta, em 1945, que dividiu esferas de influência entre soviéticos e americanos, com os britânicos de testemunha.
“Ialta ganhou a Segunda Guerra Mundial, e agora vamos evitar a Terceira”, afirmou na quarta Kirill Dmitriev. Detalhe não lateral, Ialta fica na Crimeia, cuja anexação por Moscou em 2014 é central para entender a crise atual.
Trump buscou baixar as expectativas, dizendo que o encontro servirá para ouvir Putin e que irá informar Kiev e Bruxelas, admitindo que tudo pode “acabar mal”. Mas seus aliados estarão com a respiração presa.