Cúpula Trump-Putin sinaliza volta ao pensamento imperial – 15/08/2025 – Mundo

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Quando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, escolheu o Alasca para a reunião de cúpula desta sexta-feira (15) com o presidente Vladimir Putin, da Rússia, para discutir a Guerra da Ucrânia, seus apoiadores sugeriram que o local era uma referência a negociações sagazes.

Os EUA compraram o território da Rússia em 1867 por cerca de dois centavos de dólar o acre (cerca de 4.047 m²).

Mas, com a Ucrânia sendo excluída —assim como aconteceu com os indígenas do Alasca quando suas terras foram transferidas— a cúpula já reacendeu o debate sobre o que alguns estudiosos dizem que Putin e Trump parecem, de certa forma, compartilhar: uma mentalidade imperial.

O termo foi popularizado pelo historiador armênio-americano Gerard Libaridian, que o usou em um discurso de 2014 na Inglaterra para se referir a antigos impérios como Irã, Turquia e Rússia à medida que buscavam influenciar Estados pós-soviéticos que um dia controlaram.

Para ele, trata-se de uma abordagem que persiste no imaginário nacional, combinando uma nostalgia simplista pela grandeza com fortes crenças sobre o direito de continuar dominando nações e vizinhos menores.

Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, a ideia ganhou força, geralmente em referência à Rússia de Putin. E o segundo mandato assertivo de Trump —com ameaças de tomar a Groenlândia e o Canal do Panamá, tornar o Canadá o 51º estado e enviar tropas americanas ao México— reacendeu acusações de que suas exigências refletem uma mentalidade imperial.

Trump, no entanto, não tem sido coerente. Muitas vezes condenou intervenções estrangeiras e “guerras estúpidas”, ao mesmo tempo em que determinou bombardeio ao Irã e demonstrou ambivalência sobre alianças dos EUA e a defesa de democracias vulneráveis, como Taiwan.

Ainda assim, há talvez algo de imperial —ou pelo menos uma versão do comportamento de grande potência com alguns elementos adicionais— em sua fala sobre “trocas de terras” para trazer paz à Ucrânia contra a vontade do próprio país.

“Há muito tempo existe uma poderosa norma de que ‘países não resolvem suas diferenças com anexações’, e Putin obviamente está desafiando isso”, disse Daniel Immerwahr, historiador da Universidade Northwestern e autor de How to Hide an Empire (Como Esconder um Império, na tradução livre). “E Trump parece muito à vontade com um retorno às regras antigas.”

A mentalidade imperial, claro, nunca se limitou a possessões. É uma estrutura mental para a política e a projeção de poder. É um sistema de crenças com um cardápio amplo. E, com o início da reunião Trump-Putin, historiadores e diplomatas argumentam que a cúpula no Alasca já legitimou pelo menos três ideias imperiais que muitos pensavam estar enterradas no passado.

1. Núcleo vs. Periferia

A cúpula foi anunciada como um encontro de bastidores: líderes ucranianos e europeus não foram convidados.

Essa exclusão resultou em uma semana de diplomacia frenética, com Trump garantindo que pretende mais ouvir do que decidir. Mas a reunião entre apenas dois homens permanece. A União Europeia foi relegada a um papel secundário.

Muitos temem outro Yalta, quando as superpotências dividiram a Europa, em 1945, após a derrota da Alemanha nazista, sem que os países mais afetados estivessem presentes. Para a Polônia, não foi a primeira vez: entre 1792 e 1795, o país foi dividido três vezes por Áustria, Prússia e Rússia.

Essa partilha expressa a ideia imperial de núcleo versus periferia. Impérios são hierarquias de subordinação: o poder permanece concentrado no centro, enquanto as bordas aceitam menos direitos em troca de “civilização” ou enriquecimento.

Os romanos resistiram a estender a cidadania a povos conquistados. Os franceses rejeitaram pedidos de medidas limitadas de autogoverno no Vietnã. Em Porto Rico e Guam, adquiridos pelos EUA após a Guerra Hispano-Americana de 1898, os residentes ainda não têm a mesma representação democrática que os americanos do continente.

O presidente Volodimir Zelenski já viveu isso ao ser repreendido por Trump e pelo vice-presidente J. D. Vance em fevereiro, na Casa Branca, por “falta de gratidão” pela ajuda militar americana.

“Você não está em uma boa posição”, disse Trump. “Você não tem as cartas.”

Em outras palavras, sugeriu, a Ucrânia é fraca demais para ser algo além de um apêndice.

Agora, os líderes ucranianos temem que a cúpula fortaleça a ideia de que apenas algumas grandes potências tomam decisões pelo mundo. Qualquer tentativa de transformar seu país, de quase 40 milhões de habitantes, em mero espectador de seu próprio futuro é especialmente sensível, dizem historiadores, porque a identidade ucraniana se baseia no princípio “nada sobre nós sem nós”.

Esse conceito fundamental vai contra a narrativa de Putin sobre a centralidade russa —sua insistência de que os ucranianos são apenas russos afastados de casa.

“Quando surgem conflitos, o centro tende a idealizar a era de seu passado imperial como um período de harmonia”, disse Libaridian em entrevista, antecipando o que Putin pode dizer no Alasca. “Isso, por sua vez, justificará sua intervenção para trazer paz.”

2. Supremacia e autoengrandecimento

A mentalidade imperial, das Cruzadas à realeza europeia e aos imperadores asiáticos, frequentemente envolve uma forte crença na supremacia cultural e, muitas vezes, racial.

Colonizadores europeus justificaram ações brutais e o saque de tesouros nacionais com o argumento de que estavam salvando almas ou protegendo bens de danos e decadência.

Líderes com mentalidade imperial ao longo da história também se apresentaram como a personificação da grandeza —super-humanos no ápice de nações superiores que devem ser honrados por todos.

Putin tornou-se uma versão atualizada desse impulso imperial de autoengrandecimento.

Há alguns anos, ele se comparou diretamente a Pedro, o Grande, primeiro czar da Rússia. Ex-diplomatas no país dizem que ele frequentemente fomenta ideias de imperialismo messiânico, buscando fazer da Ucrânia e de muitos outros países vizinhos parte de uma Rússia grandiosa.

“A mentalidade imperial russa está viva e forte na Rússia”, disse Michael McFaul, ex-embaixador dos EUA em Moscou e autor de vários livros sobre Putin.

Acharya, que leciona relações internacionais na American University, em Washington, afirmou que a cúpula, solicitada por Putin, remete a uma ordem mundial em que grandes potências repartiam Estados para a “glória pessoal de seus governantes”.

Trump, de certa forma, parece seguir o mesmo caminho. Embora ainda tenha focado mais sua atenção dentro do país do que no exterior, incentivou um embaralhamento das linhas entre patriotismo e seu próprio culto à personalidade. Ele vende moedas com seu rosto estampado.

Gwenda Blair, autora da biografia definitiva da família Trump, comparou sua segunda posse ao retorno de um rei. No seu 79º aniversário, passou o dia aproveitando a cena de um desfile militar que havia ordenado pessoalmente —supostamente para marcar o 250º aniversário do Exército dos EUA, mas também, possivelmente, para sua própria honra.

Enquanto isso, sua empresa familiar coloca o nome Trump em projetos imobiliários ao redor do mundo, levando alguns países a flexibilizar regras para agradá-lo.

Europeus veem sua aceitação da cúpula —em solo americano— como um presente ao líder russo que valida seu ponto de vista.

3. Império Econômico

A Companhia Britânica das Índias Orientais, poderosa empresa comercial, foi a ponta de lança do colonialismo britânico. Mais tarde, vieram as intervenções dos EUA na América Latina para proteger grandes empresas americanas, como a United Fruit.

Ambos são exemplos do tipo de relação de cima para baixo, menos orientada pelo mercado, entre comércio, negócios e Estado que, de certa forma, parece estar ressurgindo na Rússia e nos EUA.

Ontem e hoje, a fusão de política de poder e comércio pode assumir algumas formas.

Imperadores chineses dependiam de monopólios estatais para produtos-chave como o sal —não muito diferente das empresas estatais de energia da Rússia ou dos conglomerados estatais da China.

A coroa britânica normalmente não dirigia diretamente as empresas, mas frequentemente tinha participação naquelas que extraíam riquezas no exterior —de modo semelhante à exigência de Trump de que os EUA recebam parte das receitas futuras das reservas minerais da Ucrânia em troca de sua ajuda militar.

A oferta insinuada de Trump de suspender sanções à Rússia, e sua ameaça de aplicar “tarifas muito severas” aos parceiros comerciais da Rússia caso Putin não concorde com um cessar-fogo na Ucrânia, também se enquadram no modelo de mentalidade imperial. Nesses e em outros casos, ele está fundindo interesses nacionais e corporativos e priorizando a riqueza como ferramenta para moldar a ordem global.

Agora, no Alasca, a relação entre EUA e Rússia foi configurada mais como um acordo comercial do que como um embate de filosofias. Ambos os presidentes são motivados por suas próprias ideias de uma grandeza passada. Trump insiste que a paz é o objetivo. Para ambos os líderes, ao que tudo indica, o território é o meio.

A Ucrânia e o resto do mundo agora têm de esperar para saber o que os dois homens discutiram.



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