De jihadista a estadista, quem é o líder sírio na ONU – 24/09/2025 – Mundo

De jihadista a estadista, quem é o líder sírio na


Quando um diplomata veterano dos Estados Unidos se encontrou com um comandante rebelde sírio em 2023, eles tiveram uma conversa surpreendentemente cordial sobre suas vidas em lados opostos em duas guerras no Oriente Médio.

O comandante, conhecido como Abu Mohammad al-Jolani, lembrou-se de quando era um jovem jihadista atirando nas casas móveis em Bagdá onde o diplomata morava após a invasão americana do Iraque em 2003.

O diplomata, Robert S. Ford, contou que, em 2012, como embaixador na Síria durante a guerra civil, ele havia fechado a Embaixada dos EUA por temer que o grupo jihadista Al Qaeda do comandante a bombardeasse.

O líder rebelde sírio falou então sobre o que imaginava ser seu próximo passo: tomar a capital e governar a Síria —uma perspectiva que parecia fantástica na época, disse Ford ao The New York Times.

Em dezembro passado, o comandante fez exatamente isso.

Ele liderou uma ofensiva surpreendente que derrubou o ditador Bashar al-Assad e se tornou presidente da Síria. Ele trocou seu uniforme militar por ternos elegantes e seu nome de guerra por seu nome verdadeiro, Ahmad al-Sharaa.

Nesta quarta-feira, al-Sharaa se torna o primeiro líder sírio a discursar na Assembleia Geral das Nações Unidas em 58 anos, uma reviravolta notável para um homem ainda é designado como terrorista pelos Estados Unidos e pela ONU.

“Com o passar do tempo, vemos que al-Sharaa é menos um jihadista islâmico linha-dura tentando parecer pragmático e mais um autoritário tentando estabelecer um governo estável”, disse Ford. “Ele é um caçador de poder.”

Entrevistas com mais de 70 pessoas que acompanharam ou interagiram com al-Sharaa durante sua ascensão pintaram um quadro de um homem inteligente, ambicioso e camaleônico, que usou astúcia, charme, diplomacia e crueldade para sobreviver em alguns dos cantos mais perigosos do Oriente Médio.

No início, ele se aliou a terroristas enquanto lutava contra os Estados Unidos no Iraque, juntando-se a jihadistas que consideravam essa luta uma guerra religiosa.

Mais tarde, ele retornou à sua terra natal e criou a filial síria da Al Qaeda. Com o passar dos anos, ele se reinventou como um líder rebelde moderado para ampliar seu apelo.

Com o passar dos anos, ele se reinventou como um líder rebelde moderado para ampliar seu apelo.

Suas muitas transformações alimentaram questões sobre o que ele realmente acredita e como pretende liderar um país que está saindo das ruínas de uma guerra civil de 13 anos —especialmente porque o futuro da Síria pode ser crucial para estabilizar uma região em turbulência.

Ele conquistou o apoio dos Estados Unidos e de outras potências; buscou relações pacíficas com vizinhos, incluindo Israel; e pediu a reconciliação entre os sírios.

Mas a recente violência sectária manchou sua reputação. Milhares foram mortos em ataques dos quais, segundo grupos de direitos humanos e as Nações Unidas, suas forças de segurança participaram.

Ele concentrou o poder em suas mãos e nas de seus assessores leais, levantando preocupações sobre se ele realmente deseja estabelecer um governo que represente todos os diversos grupos minoritários da Síria ou se pretende se tornar um novo homem forte.

Ele disse a um pequeno grupo de repórteres, incluindo do Times, durante uma reunião em Damasco na semana passada, que seu passado —independentemente do que qualquer pessoa dissesse sobre ele— o preparou para fazer o que ninguém mais poderia: derrubar o regime de Assad.

“Quem nos julgou pelo nosso passado, eles estavam errados? Ou nós estávamos?”, disse ele.

Um caminho improvável para a jihad

Al-Sharaa nasceu em 1982 na Arábia Saudita, em uma família síria de classe média que voltou para Damasco, a capital, quando ele era criança. Seu pai era economista e sua mãe, professora. A família discutia política em casa, mas não tinha histórico de extremismo islâmico.

Os vizinhos se lembram dele como um jovem estudioso e tímido.Na adolescência, ele passou a usar uma túnica longa e um gorro de tricô, o que significava uma religiosidade crescente, disse Maya Athem, uma vizinha.

Quando ele tinha 20 anos, os vizinhos pararam de vê-lo por perto.

“De repente, ele desapareceu”, disse Athem. “Nem mesmo sua mãe sabia se ele estava vivo ou morto.”

Ele havia cruzado a fronteira para o Iraque pouco antes da invasão dos EUA em 2003.

Ele se juntou a insurgentes que viriam a formar o núcleo da Al Qaeda no Iraque, mas não há indícios de que tenha participado de combates significativos. Um oficial de segurança iraquiano disse que al-Sharaa recentemente lhe contou que as forças americanas o prenderam em 2005 durante sua primeira missão para plantar bombas à beira da estrada contra tropas americanas.

Como muitos dos entrevistados, o oficial falou sob condição de anonimato, em conformidade com os protocolos diplomáticos ou por medo de retaliação.

O jovem foi detido na cidade de Mosul, no norte do país, junto com outros suspeitos de insurgência, de acordo com Muzahim al-Huwait, um líder tribal iraquiano que se tornou seu amigo na prisão. Al-Huwait lembrou-se de um detento tranquilo que se identificou como um estudante iraquiano chamado Amjad Mudhafar e que falava árabe com um sotaque iraquiano convincente.

Desde então, al-Huwait disse que quase se esqueceu do prisioneiro tranquilo até que ele apareceu na televisão no ano passado como o novo líder da Síria.

“Agora Amjad Mudhafar, que estava detido comigo em Mosul, é o presidente da Síria”, disse al-Huwait, parecendo ainda perplexo.

A transformação de Al-Sharaa de damasceno de classe média em jihadista no Iraque foi a primeira de suas transformações, e ele conseguiu enganar muitas outras pessoas durante seus seis anos nas prisões do Iraque. As autoridades americanas e iraquianas nunca perceberam que ele era sírio, de acordo com registros iraquianos e o ministro da Justiça iraquiano da época, Hassan al-Shammari.

Em 2011, disse al-Shammari, os iraquianos revisaram sua detenção e não encontraram acusações contra ninguém com seu nome falso. Assim, ele foi libertado em 13 de março de 2011, segundo os registros.

Dias depois, protestos antigovernamentais inspirados pelas revoltas da Primavera Árabe eclodiram na Síria, a primeira faísca da guerra civil que levaria al-Sharaa de volta para casa.

Levando a Guerra Santa para a Síria

No final de 2011, al-Sharaa e alguns companheiros entraram de forma clandestina na Síria para inserir um novo grupo jihadista na guerra civil que se acelerava.

Antes de deixar o Iraque, ele procurou Abu Bakr al-Baghdadi, que conhecera na prisão e que se tornara o líder da Al Qaeda no Iraque. O iraquiano lhe deu cerca de US$ 50.000 para expandir a Al Qaeda na Síria, disse al-Sharaa.

Seu novo grupo, a Frente Nusra, tornou-se conhecido no início de 2012 ao enviar homens-bomba para atacar agentes de segurança nas maiores cidades da Síria, matando centenas de pessoas.

Em uma mensagem online reivindicando a responsabilidade por dois grandes ataques, al-Sharaa prometeu mais.

“Este regime nunca será derrubado, exceto pelo poder de Deus e pelo poder das armas”, disse ele, usando seu novo nome de guerra, Abu Mohammad al-Jolani. Quase ninguém sabia sua verdadeira identidade.

Na época, a maioria dos rebeldes sírios via sua luta como uma revolta contra uma ditadura brutal. A Frente Al-Nusra acrescentou as táticas do jihadismo violento e procurou tornar sua interpretação rígida do Islã a lei.

Mas surgiu uma ruptura com seu patrono iraquiano que, em 2013, criou o Estado Islâmico no Iraque e na Síria (EI). Al-Sharaa recusou a integrar a Frente Al-Nusra a ele.

O Estado Islâmico iniciou o que considerava uma guerra santa global e organizou ataques em Paris, Cairo e outros lugares. Al-Sharaa jurou lealdade a Ayman al-Zawahri, líder global da Al Qaeda, embora a Frente Al-Nusra mantivesse sua luta dentro da Síria.

“Não pretendemos governar o país”, afirmou al-Sharaa em sua primeira entrevista televisiva à Al-Jazeera em 2013, com o rosto e a verdadeira identidade ainda ocultos. “Pretendemos que a lei de Deus governe o país.”

Suas forças estabeleceram-se na província de Idlib, uma região pobre do noroeste da Síria. Derrotaram outras facções rebeldes locais, incluindo algumas apoiadas por Washington.

Grupos de direitos humanos e ativistas sírios os acusaram de matar e deter críticos, e vídeos compartilhados online mostraram eles executando mulheres que acusavam de prostituição. Eles eram duros com as minorias religiosas, cujas crenças consideravam heréticas.

Proibiram os cristãos de Idlib de exibir cruzes ou tocar sinos de igrejas, e eles e outros rebeldes confiscaram casas e terras agrícolas de cristãos.

Hanna Jallouf, um padre católico romano em Idlib na época, disse que a Frente Nusra o sequestrou em 2015 por 20 dias. Um clamor internacional levou à sua libertação.

“Eles levaram tudo”, lembrou ele. “Você não tinha direitos. Você não tinha valor como ser humano.”

Uma mudança do extremismo

Dois anos depois, Jallouf recebeu a visita de dois clérigos muçulmanos em Idlib que disseram querer uma reconciliação com os cristãos locais. Al-Sharaa os enviou, disse.

O padre mostrou-lhes as propriedades confiscadas, e os combatentes começaram a devolvê-las aos seus proprietários.

Em 2022, al-Sharaa pediu desculpas ao padre e a outros cristãos, expressando esperança de que pudessem virar a página, disse Jallouf, que agora é bispo de Aleppo. Grande parte das propriedades dos cristãos foi devolvida desde então.

“Este homem é confiável”, disse ele. “Se ele promete algo, ele cumpre.”

A reconciliação de Al-Sharaa com os cristãos de Idlib foi parte de uma mudança mais ampla, afastando-se do extremismo. Seu grupo parou de realizar atentados suicidas e reformulou sua luta contra a ditadura em termos mais nacionalistas.

A Turquia, que se envolveu com ele no início da guerra, incentivou Al-Sharaa a seguir esse caminho, de acordo com seis autoridades e outras pessoas familiarizadas com o assunto.

A guerra na Síria foi um pesadelo para a Turquia, empurrando milhões de refugiados para seu território e criando um refúgio em sua fronteira sul para jihadistas, incluindo a Frente Nusra.

Em 2013, oficiais da inteligência turca estabeleceram laços com al-Sharaa, de acordo com dois funcionários familiarizados com o assunto.

Em 2016, al-Sharaa apareceu publicamente em um vídeo anunciando que seu grupo não estava mais ligado à Al Qaeda. No ano seguinte, ele fundou o Hayat Tahrir al-Sham, ou Organização para a Libertação do Levante (HTS), o principal grupo que derrubou Assad e que agora forma o núcleo dos serviços de segurança da Síria.

À medida que as forças governamentais avançavam, Assad enviou rebeldes que haviam sido derrotados em outras partes do país para Idlib, exacerbando a crise humanitária na província. A Turquia temia que a situação desesperadora ali levasse mais refugiados ao seu território, disseram autoridades.

Para estabilizar a área, a Turquia buscou um parceiro sírio, e al-Sharaa parecia ser o mais capaz, de acordo com cinco pessoas familiarizadas com o assunto. Assim, a inteligência turca aumentou seu apoio a ele, enquanto o encorajava a se afastar do extremismo.

Com o tempo, al-Sharaa usou seu poder crescente em Idlib para combater ou conter extremistas, enquanto partes de seu grupo forneciam informações que ajudavam agências de inteligência estrangeiras a perseguir a Al Qaeda e o ISIS, de acordo com autoridades atuais e antigas.

Ele também aproveitou uma trégua por volta de 2020 para desenvolver uma administração civil e buscar negociações com governos ocidentais. Nenhum deles queria conversar diretamente porque ainda o consideravam um terrorista.

Então, ele mudou de estratégia, convidando pesquisadores e profissionais especializados em resolução de conflitos para Idlib, a fim de que vissem como ele e seus combatentes haviam mudado e descobrissem como poderiam se livrar da designação de terroristas.

Eles queriam que os americanos “soubessem que não eram mais uma ameaça, que poderiam ser interlocutores úteis”, disse Dareen Khalifa, consultora sênior do International Crisis Group, que se encontrou com al-Sharaa durante esse período.

Esses esforços abriram novas linhas de comunicação.

Jonathan Powell, agora conselheiro de segurança nacional britânico, reuniu-se com al-Sharaa. Um grupo fundado por Powell, o Inter Mediate, organizou a viagem de Ford à Síria em 2023, durante a qual ele ficou surpreso com a confiança de al-Sharaa de que suas forças chegariam à capital.

“Eu pensei: bem, ele nunca vai chegar a Damasco”, disse Ford. “Mas é interessante que mesmo os jovens jihadistas podem moderar seu entusiasmo à medida que envelhecem.”

Contra todas as adversidades

Algumas semanas depois que os rebeldes chegaram a Damasco, um velho conhecido veio visitar al-Sharaa, agora líder da Síria.

Ezzat Alshabandar, um político iraquiano, morou em Damasco na década de 1980 e no início da década de 1990, e seu filho era amigo de infância de al-Sharaa. Alshabandar disse que, quando se encontraram no ano passado, al-Sharaa refletiu sobre sua vida.

Al-Sharaa reconheceu que era mais radical quando era mais jovem, mas disse que suas experiências o tornaram mais moderado, lembrou Shahbandar. Agora, ele disse que precisava ser um “islamista realista” para liderar toda a Síria.

Alshabandar disse acreditar que al-Sharaa quer construir um Estado civil, mas precisa proceder gradualmente para não antagonizar os combatentes mais radicais de suas fileiras, que permaneceram ao seu lado durante a guerra civil.

Enquanto al-Sharaa sobe ao palco da ONU para apresentar sua visão para a Síria, outros líderes tentam decifrar sua mais recente transformação.

Após se encontrar com al-Sharaa em maio, o presidente Donald Trump expressou confiança nele e anunciou o levantamento das sanções dos EUA.

Mas as ondas de violência sectária na Síria ampliaram as dúvidas sobre a capacidade de al-Sharaa de conter seus seguidores mais radicais. Isso também está tornando mais difícil colocar grandes regiões governadas por minorias sob sua autoridade.

Alshabandar disse que o maior desafio de al-Sharaa era evitar uma nova guerra civil. Ele disse que havia alertado al-Sharaa que extremistas em suas forças de segurança poderiam prejudicá-lo.

“Ele me disse: ‘Talvez eu não tenha controle sobre o palácio em que estou’”, lembrou Shahbandar.



Fonte CNN BRASIL

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