A resposta do Irã ao surpreendente assassinato de seu comandante mais poderoso, ordenado por Donald Trump, foi rápida e contundente.
Apenas cinco dias após o ataque de drones dos Estados Unidos que matou Qassim Suleimani no aeroporto de Bagdá, no Iraque, Teerã lançou o que descreveu como “dezenas de mísseis” contra duas bases no Iraque com tropas americanas.
O ataque de 2020 foi um dos mais intensos já direcionados a bases americanas, mas, de forma decisiva, o Irã alertou o presidente dos EUA por meio de canais discretos que não houve mortes, e as duas nações recuaram antes que o confronto escalasse para uma guerra aberta.
A aposta calculada do aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, atingiu dois objetivos: mostrar aos apoiadores que o regime podia enfrentar a superpotência mundial e, ao mesmo tempo, evitando um conflito aberto que ameaçasse sua sobrevivência.
Foi um exemplo do que analistas descrevem como a política de longa data de Khamenei de “nem guerra, nem paz” —exibir beligerância, ameaçar escaladas contra inimigos, agir por meio de representantes ou operações secretas, mas manter o conflito longe do território iraniano.
Mas após uma combinação de erros de cálculo, soberba e, segundo analistas, uma falha fatal em entender a mudança radical no apetite de risco de Israel após o ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, o Irã se vê hoje lutando por sua sobrevivência —forçado a enfrentar a guerra aberta que sempre quis evitar. Se Trump decidir entrar no conflito, as apostas aumentarão ainda mais.
“O Irã só tem opções ruins agora. Khamenei se apegou à ideia de ‘nem guerra, nem paz’ por tempo demais. Isso se tornou insustentável há anos”, disse Ellie Geranmayeh, do think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores. “Agora o Irã enfrenta uma guerra que não pode vencer —e terá de aceitar um acordo [nuclear] em condições piores que antes.”
Uma semana após iniciar ataques contra o Irã, Israel diz ter dizimado os principais escalões militares iranianos, destruído grande parte dos lançadores de mísseis rivais, atacado instalações nucleares e garantido quase total domínio aéreo sobre o território adversário. Teerã continua lançando mísseis contra Israel.
Mas a disparidade militar e de inteligência é evidente. Israel tem alguns dos equipamentos mais sofisticados dos EUA, como os caças F-35, enquanto o Irã depende fortemente de milícias aliadas, mísseis e drones.
A ameaça existencial enfrentada pelo regime paira desde que o Hamas, um grupo terrorista apoiado por Teerã que rompeu as barreiras entre Gaza e Israel, matou 1.200 pessoas e sequestrou 250.
Khamenei declarou apoio aos palestinos, mas negou envolvimento do Irã. Analistas e diplomatas também acreditam que Teerã não tinha conhecimento prévio do ataque.
Para Israel, no entanto, o atentado —o maior massacre de judeus desde o Holocausto— foi visto como parte de um plano mais amplo do Irã e seus aliados armados para lançar uma guerra multifrontal contra o Estado judeu. Com o apoio dos EUA e sem restrições, Israel passou à ofensiva.
Segundo Emile Hokayem, do think tank Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla em inglês), “o Irã avaliou completamente errado o apetite de risco israelense após 7 de outubro, um erro estratégico movido por miopia e soberba”.
“Desde o primeiro dia estavam na defensiva. Erraram ao entrar na guerra parcialmente, achando que ‘Israel está traumatizado, está fraco’ e que poderiam fazer o suficiente só para parecer atuantes.”
Desde a guerra Irã-Iraque nos anos 1980, a república islâmica construiu uma rede de aliados armados na região, apostando na guerra assimétrica contra exércitos convencionais mais fortes.
A invasão do Iraque em 2003 pelos EUA fortaleceu facções xiitas pró-Irã. A guerra civil na Síria, a partir de 2011, permitiu a presença militar de Teerã no país, junto ao Hezbollah, seu principal aliado. Já a intervenção saudita no Iêmen estreitou os laços com os houthis.
Internamente, o regime desenvolveu a indústria de mísseis e drones, enquanto as sanções ocidentais dificultavam a importação de armas.
Depois que Trump abandonou o acordo nuclear, Teerã intensificou seu programa, enriquecendo urânio a níveis próximos ao uso militar —como forma de dissuasão e barganha com o Ocidente.
Assim, após o ataque de 7 de outubro, o Irã e seu chamado “eixo da resistência” eram considerados uma ameaça formidável a Israel e outras potências regionais.
Mas ainda não haviam sido testados por um ataque militar direto desde os anos 1980; até o ano passado, Israel nunca havia atacado direta e abertamente o território iraniano.
Um dia após o ataque do Hamas, o Hezbollah lançou foguetes contra Israel. Só a intervenção do governo dos EUA sob Joe Biden impediu uma ofensiva israelense contra o Líbano.
Mesmo apoiando seus aliados, Teerã sinalizava que não queria guerra direta e pedia cessar-fogo em Gaza. Após o choque inicial pela falha de inteligência, o Exército israelense avaliava que nem o Irã nem seus aliados queriam um conflito total —e que era possível calibrar a resposta para evitá-lo.
Isso permitiu que Israel tomasse a iniciativa e “decidisse quando lançar um ataque surpresa”, disse um acadêmico israelense que assessora o gabinete de Binyamin Netanyahu. “A surpresa não foi o ataque, foi o fato de que Israel escolheu atacar.”
Em setembro do ano passado, Israel matou o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, e outros comandantes importantes do grupo xiita, invadiu o sul do Líbano por terra e bombardeou o país vizinho.
A superioridade aérea e a capacidade da inteligência israelense de se infiltrar no Líbano e no Irã se destacaram.
Em julho de 2024, um ataque israelense matou o líder político do Hamas enquanto ele estava em uma casa segura em Teerã, poucas horas após participar da posse do novo presidente iraniano. Em outubro, Israel destruiu cinco baterias antiaéreas S-300 PMU2 russas —as mais avançadas do Irã.
Hokayem, do IISS, diz que Israel “conseguiu impedir qualquer resposta, ao atacar os estrategistas e os centros de comando”. “Foi um fracasso monumental para o Irã e seus aliados.” Usando seu domínio aéreo, Israel devastou o Hezbollah numa guerra de atrito que o grupo libanês não pôde vencer.
Em novembro, enfraquecido, o Hezbollah aceitou um cessar-fogo nos termos de Netanyahu, e mesmo assim continua sendo bombardeado.
Agora Israel parece tentar o mesmo com o Irã —desta vez enfrentando um Estado soberano com 90 milhões de habitantes.
“O dilema para o Irã era saber se Israel podia ser dissuadido após 7 de outubro”, diz Stephen Biddle, professor da Universidade Columbia e ex-consultor do Departamento de Defesa dos EUA. “Descobriu-se que não havia nada que eles pudessem fazer para conter Netanyahu. A tolerância a riscos de Israel aumentou drasticamente.”
Teerã causou danos a Israel com mísseis mais destrutivos do que os do Hamas ou Hezbollah.
Mas Israel tem defesas aéreas muito mais sofisticadas, e conta com o apoio dos EUA para rechaçar ataques.
Segundo Sidharth Kaushal, do britânico Instituto de Serviços Reais Unidos (Rusi, na sigla em inglês), as falhas de inteligência do Irã e o fator surpresa impediram o uso efetivo de seus sistemas de defesa. “O volume de fogo gerado pelo Irã e o fato de que as defesas israelenses precisaram ser reforçadas pelos EUA indicam o quão perigoso o arsenal iraniano poderia ser se usado de forma coordenada.”
Não era que as estimativas anteriores sobre as capacidades do Irã estivessem erradas, acrescenta. Mas “a capacidade do Irã de usar essas armas foi severamente reduzida por uma ação eficaz de Israel para controlar o espaço aéreo e desorganizar o comando iraniano —algo que não era garantido.”
Se os EUA entrarem na guerra, o Irã pode retaliar atacando bases americanas e infraestrutura de petróleo no golfo Pérsico. Como são estruturas próximas de seu território, poderia usar mísseis de curto alcance, em geral mais baratos e com pouco tempo de reação para as defesas locais.
Mas isso representaria mais uma enorme aposta de Khamenei, com o risco de uma resposta feroz de Trump.
Enquanto isso, o Hezbollah, historicamente a linha de frente do Irã contra Israel, tem estado praticamente inativo enquanto Tel Aviv bombardeia o território iraniano, um sinal de que os aliados de Teerã também agem por interesses próprios.
Os houthis no Iêmen continuam a lançar mísseis esporadicamente contra Israel. E os remanescentes do Hamas ainda enfrentam a ofensiva implacável de Israel em Gaza, que já matou mais de 55 mil pessoas, segundo autoridades palestinas.
Mas o “eixo da resistência”, construído por Suleimani antes de sua morte, parece cada vez mais enfraquecido.
“Suleimani acabou sendo o arquiteto de uma estratégia falha: primeiro, ao sobrecarregar o Irã com investimentos no Iraque e na Síria; segundo, ao superestimar o poder da rede”, diz Hokayem. “O Irã investiu em praticamente tudo, menos em defesa —especialmente em defesa aérea.”