O escritor australiano Alistair Kitchen foi deportado ao chegar no aeroporto de Los Angeles, no último fim de semana, após ter sido retido por 12 horas em uma sala e interrogado sobre suas opiniões a respeito da guerra entre Israel e Hamas.
À Folha ele diz que foi enviado de volta por questões políticas e que os agentes de imigração mencionaram artigos escritos por ele com críticas ao governo de Donald Trump e em apoio aos protestos pró-Palestina.
Kitchen estava a caminho de Nova York para visitar amigos. Ele viveu na cidade por seis anos, até retornar à Austrália no ano passado, e cursou um mestrado na Universidade Columbia.
O australiano diz que ouviu seu nome ser chamado no alto-falante e que foi retirado da fila da imigração e levado para uma sala. “Eles pegaram meu telefone e me disseram para fornecer a senha. Caso contrário, seria deportado imediatamente. Eu obedeci”, afirma.
“Hoje, me arrependo profundamente, mas tinha acabado de sair de um voo de 15 horas. Nunca imaginei que seria alvo de nada. Não achava que tivesse feito algo errado. Meu erro foi achar que cooperar me protegeria.”
Kitchen diz que o oficial começou o interrogatório afirmando: “Nós dois sabemos por que você está aqui”. “E disse que era por causa do que eu havia escrito online sobre os protestos”, acrescenta, em referência aos atos de estudantes que tomaram o campus da universidade no ano passado.
Os protestos foram descritos por Trump ainda na campanha eleitoral como antissemitas e, uma vez no poder, o presidente justificou sua investida contra universidades de elite dizendo que elas não agiram da maneira que deveriam contra as manifestações.
Kitchen diz ter ficado chocado, pois decidiu, 48 horas antes de embarcar, apagar publicações de cunho político em suas redes sociais e no seu blog. “Sabia que o governo Trump estava mirando pessoas que discordavam dele. Não achei que eu seria um alvo, mas sabia que aquilo poderia me causar problemas.”
Em um de seus textos, Kitchen criticou a prisão de Mahmoud Khalil, ex-aluno de Columbia que participou dos protestos —o ativista está detido desde março, e o governo Trump quer deportá-lo.
“Ele [o agente] estava familiarizado com as postagens. Ficou claro que já vinham me monitorando há semanas”, diz Kitchen. Ele afirma que os primeiros 40 minutos do interrogatório foram sobre a guerra no Oriente Médio.
“Foi surreal e quase cômico. Ele me perguntou como eu resolveria o conflito, como se eu, um australiano que nunca entrou em Israel ou em Gaza, pudesse responder isso”, afirma. “Ele foi educado, mas o tom era claramente ameaçador. Mantive a calma, mas estava com medo.”
Em seguida, o oficial disse que teria encontrado “evidência de uso de drogas” no celular de Kitchen e que o australiano teria dado falsa declaração —ao preencher os dados do Sistema Eletrônico de Autorização de Viagem, conhecido como ESTA, o australiano marcou “não” na pergunta sobre se a pessoa havia feito uso de drogas.
Os ESTAs são solicitados online por cidadãos de países que fazem parte do programa de isenção de visto.
“Agora que estou em casa, sei que não havia nenhuma prova no meu celular. Mas, sob pressão, exausto e com medo, admiti que já tinha usado substâncias ilícitas no passado”, diz.
Kitchen afirma que admitiu ao agente de imigração ter comprado maconha em Nova York, onde o uso recreativo da planta é legalizado, e usado drogas em outros países.
“Isso bastou. Acredito que ele já tinha decidido me deportar. Mas, depois de extrair essa informação, teve o pretexto necessário”, diz. “Eles claramente estavam me esperando. Então a pergunta para mim é: como e por quê? Honestamente, eu sou um ninguém. Existem outros jornalistas, outros escritores, outras vozes [que falam] sobre Israel e Gaza muito mais importantes. Por que eu fui um alvo?”, questiona.
A primeira teoria dele é que o governo americano esteja fazendo checagens de antecedentes das pessoas que solicitam o ESTA e cruzando informações com as redes sociais. A segunda possibilidade, na visão de Kitchen, é que ele tenha sido denunciado por uma organização americana pró-Israel chamada Betar US.
Reportagens do The Guardian e da CNN americana revelaram que o grupo tem enviado ao governo Trump dossiês com informações de manifestantes que defendem a causa Palestina como parte de esforços para que sejam deportados.
“Agora, eu acredito que estava nessa lista.”