Uma guerra civil travada nas redes sociais está esgarçando o delicado tecido da ultradireita nos Estados Unidos. O confronto começou no programa de Tucker Carlson, o apresentador defenestrado da Fox News depois que o empresário Rupert Murdoch perdeu um processo por propagar mentiras sobre as eleições de 2020. Há duas semanas, Carlson recebeu em seu estúdio/garagem no exílio da Fox o extremamente controverso Nick Fuentes.
Aos 27 anos, Fuentes é um orgulhoso fanboy de Hitler e Stalin, autoproclamado líder dos “groypers” (cristãos ultranacionalistas) e acumula uma década de militância antissemita e racista na mídia. Ele já disse, por exemplo, que a unidade dos EUA é ameaçada pela lealdade dos judeus a Israel e que as leis de segregação racial eram benéficas para negros americanos.
Durante a entrevista, que já soma 6 milhões de visualizações no YouTube, Carlson deu a Fuentes uma plataforma para promover seu extremismo à vontade. Carlson não é tosco, é um sofisticado demagogo e não esconde que alimenta ambições presidenciais. A entrevista repercutiu no espectro Maga e pelo menos um grande patrocinador da cloaca digital do ex-âncora da Fox cancelou seus comerciais.
É difícil saber se tudo foi calculado, mas é evidente que Carlson sabe o poder de Fuentes sobre a audiência masculina jovem. Escrevendo na revista Rolling Stone, Eli Thompson, um adolescente judeu recém-matriculado numa faculdade batista confirma que, entre seus colegas, Fuentes foi de pária a influenciador normalizado. “Numa cultura de campus que se orgulha de ser audaciosa e do contra, muitos rapazes veem crueldade como coragem,” explica Thompson.
Se a manosfera americana tem sido dominada por brucutus ignorantes como o podcaster Joe Rogan, não se deve desprezar a contrapartida no campo da oposição política. O onipresente investidor, podcaster e professor Scott Galloway acaba de lançar um possível vade-mécum para o homem liberal que não confessa misoginia, mas se sente tão coitadinho como os incels da manosfera.
No livro “Notes For Being a Man” (anotações sobre ser um homem), mistura de memórias e autoajuda, Galloway usa estatísticas para argumentar que há uma emergência entre a população masculina, como escolaridade em declínio, solidão, suicídios e dependência dos pais até a vida adulta.
Pai de dois filhos jovens, Galloway se declara numa missão para torná-los “bons homens”. Ele reinventa a roda com ensinamentos audaciosos como se manter ativo para combater a ansiedade, tolerar sentimentos de rejeição, ser gentil em relacionamentos e tratar bem a mãe de seus filhos.
Suponho que o pio autor vai atrair a gratidão de incontáveis mães de filhos —as que trabalham em tempo integral e ainda hoje assumem nos EUA dois terços das tarefas domésticas, as profissionais que estudaram mais para enfrentar a desigualdade de salário entre os sexos. Galloway é apenas um dos intelectuais que apresentam como alienação parental a distância dos filhos após um divórcio. Sua denúncia não identifica, no entanto, a força sinistra que compele pais separados a se ausentar.
A acadêmica e Nobel de economia Claudia Goldin sugere que a aversão masculina ao rame-rame das tarefas domésticas e aos cuidados da família está por trás da queda de índices de natalidade que tanto incomoda os nacionalistas cristãos. Quem pode culpar as mulheres por assumir tanta responsabilidade e hesitar sobre uma nova gravidez? Os meninos-homens da Terra do Nunca, é claro.




