Esta é a edição da newsletter China, terra do meio desta terça-feira (12). Quer recebê-la toda semana no seu email? Inscreva-se abaixo:
As acusações de Donald Trump de que a China controla o Canal do Panamá chegaram a uma sessão da ONU nesta segunda-feira (11). O encontro, marcado por tensão, colocou o presidente panamenho, José Raúl Mulino, no centro de uma troca de reclamações entre Washington e Pequim.
Mulino presidia uma sessão no Conselho de Segurança da ONU e defendia a “neutralidade” do canal como pilar da segurança internacional e do comércio global. A sessão, convocada pelo país em sua presidência rotativa, reuniu mais de 80 nações em Nova York.
O encontro acabou descambando para um choque diplomático entre China e Estados Unidos. O representante chinês na ONU, Fu Cong, rejeitou as acusações norte-americanas sobre “a influência de Pequim no canal e na segurança marítima”. Ele acusou os americanos de “hegemonia” e de criar instabilidade geopolítica, mencionando ações militares no mar do Sul da China.
Já a embaixadora dos EUA Dorothy Shea falou em “influência desmesurada” chinesa e “reivindicações ilegais” no mar.
A China continental não tem participação no canal, mas uma empresa privada de Hong Kong, CK Hutchison, controla dois portos em ambas as entradas da passagem.
- Embora esteja envolvida há décadas com portos semelhantes no mundo todo, sua participação no Panamá virou alvo de Trump, que chegou a mencionar o fato no discurso de posse como justificativa para tomar de volta o canal construído pelos EUA no século passado.
Mulino enfatizou que a neutralidade, garantida pelo tratado assinado com os EUA em 1977, assegura o trânsito de embarcações em tempos de paz ou guerra. O administrador do canal, Ricaurte Vásquez, lembrou que a via duplicou sua capacidade nos últimos 25 anos e permanece como “exemplo de neutralidade funcional”.
Por que importa: o Canal do Panamá é uma infraestrutura estratégica para o comércio global e um ponto sensível na disputa geopolítica entre China e Estados Unidos.
Questionar sua neutralidade amplia tensões no tabuleiro marítimo e ameaça cadeias logísticas vitais para várias economias, incluindo a brasileira.
O que também importa
★ Dois navios chineses colidiram enquanto perseguiam um barco de patrulha das Filipinas próximo ao atol de Scarborough, no mar do Sul da China. Segundo forças filipinas, o navio chinês de número 164 atingiu o CCG 3104 (embarcação da Guarda Costeira da China), que sofreu danos severos na proa e ficou inoperante. A Guarda Costeira filipina escoltava barcos com ajuda a pescadores quando foi alvejada com canhões de água, mas escapou. Imagens mostram o impacto e o casco amassado. O incidente, mais um na disputa marítima que opõe China e Filipinas, ocorre em área estratégica por onde passa mais de 60% do comércio global.
★ O conselheiro do banco central chinês Wang Yiming alertou que o combate ao neijuan (competição predatória em que empresas gastam excessivamente para atrair clientes, derrubando preços e lucros) deve focar em conter o desperdício de recursos, e não em sufocar a concorrência. O alerta mira plataformas como Alibaba, JD.com e Meituan, que travam uma disputa acirrada no mercado de “comércio rápido”, capaz de entregar comida e produtos em até 30 minutos e visto como motor para estimular o consumo interno. Wang defendeu que o governo crie regras claras e políticas de apoio à inovação, eficiência e sustentabilidade, garantindo crescimento sem destruir margens nem frear novos modelos de negócio.
★ O Ministério da Defesa de Taiwan anunciou o desenvolvimento de um míssil de ataque a navios de longo alcance para reforçar sua defesa contra a crescente marinha chinesa. A nova arma combina tecnologias usadas em modelos locais e inspiradas em mísseis avançados dos EUA, podendo alcançar entre 600 e 1.000 km e operar com alta furtividade, o que permite ataques fora do alcance das defesas inimigas. O governo taiwanês declarou que o chamado “matador de porta-aviões” deve compensar limitações atuais e forçar grupos navais da China a manter distância, fortalecendo a dissuasão no Estreito de Taiwan.
Fique de olho
A liquidação da Evergrande, incorporadora mais endividada do mundo, deve levar mais de uma década, segundo investidores ouvidos pela Reuters nesta semana. A maior parte dos ativos está na China e muitos já foram tomados por credores, dificultando a venda e distribuição de recursos.
↳ A liquidação de uma empresa é o conjunto de ações que a preparam para a extinção. Alguns processos comuns desse momento são vendas de ativos, pagamento de dívidas, destinação o saldo (que houver) a quem deve e a retirada de papéis das bolsas de valores.
↳ No caso da Evergrande, este é um processo complicado, uma vez que a companhia tem muitos credores e dívidas a serem resolvidas antes de dar o caso por encerrado.
As ações serão retiradas da Bolsa de Hong Kong em 25 de agosto, após suspensão desde janeiro, quando a empresa recebeu ordem de liquidação por não apresentar plano viável para reestruturar US$ 23 bilhões em dívidas externas.
No último relatório, os liquidantes —os sócios e administradores da sociedade, responsáveis pelo inventário de todos os bens e direitos— apontaram valor total de US$ 3,5 bilhões em ativos sob seu controle, mas apenas US$ 11 milhões pertencem diretamente à Evergrande. Até 31 de julho, credores já tinham apresentado 187 reivindicações, somando US$ 45 bilhões.
O que foi e como caiu: fundada em 1996, a Evergrande chegou a ser a maior incorporadora da China, impulsionada por forte alavancagem e expansão agressiva. A crise começou em 2021, com restrições de crédito e queda nas vendas, levando ao colapso sob mais de US$ 300 bilhões em passivos.
Por que importa: o caso expõe a fragilidade do setor imobiliário chinês, em crise desde 2021, e a dificuldade de recuperar valores em empresas com estruturas complexas. Também aumenta a percepção de risco para investidores estrangeiros no país.
Para ir a fundo
A Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da USP recebe até 01 de setembro uma mostra sobre a circulação internacional das artes cênicas chinesas nos primeiros anos da República Popular da China e vai realizar uma oficina sobre o tema na história da ópera de Pequim. Inscrições aqui.
O IRI (Instituto de Relações Internacionais) da USP promove no dia 13 uma aula com Douglas de Toledo Piza sobre migração chinesa na América do Sul. O evento inclui a apresentação do livro “Beyond Informality: How Chinese Migrants Transformed a Border Economy”, de autoria do palestrante, com lançamento previsto para este mês pela Stanford University Press. Local: Sala da Congregação do IRI (2º andar), Tv. do Labirinto, 286 – Butantã, às 15h.