O Departamento de Eficiência Governamental (Doge, na sigla em inglês) americano, iniciativa radical de corte de gastos do governo dos Estados Unidos comandada pelo bilionário Elon Musk, desmantelou um dos mais conhecidos centros de estudos sobre política externa do país, o Wilson Center, criado em 1968.
O diretor do think tank, Mark Green, renunciou no dia 1º de abril ao posto que ocupava desde 2021 após uma visita de inspeção da equipe do Doge ao instituto e o anúncio da destituição de seus principais cargos de liderança.
O Wilson Center abriga também o Brazil Institute, organização voltada ao estudo das relações entre os EUA e o Brasil. Segundo pessoas ligadas ao instituto ouvidas sob reserva pela Folha por temor de retaliação, Mark Green chegou a propor cortes de gastos e pessoal ao Doge em uma tentativa de preservar o think tank, mas a oferta foi recusada, e o diretor, forçado a renunciar.
Desde então, quase toda a força de trabalho do instituto foi colocada em licença administrativa por tempo indeterminado, com exceção de poucos funcionários que ainda auxiliam o Doge a desmantelar a estrutura da instituição.
Green, que é do Partido Republicano e foi deputado pelo estado de Wisconsin por oito anos, integrou o primeiro governo Donald Trump entre 2017 e 2020 como administrador da Usaid, agência voltada ao financiamento de projetos de assistência social, saúde e alimentação em países subdesenvolvidos que foi um dos primeiros alvos de cortes do departamento liderado, ainda que não oficialmente, por Musk.
Ryan McKenna, porta-voz do Wilson Center, disse ao jornal The New York Times que o centro não comentaria a renúncia de Green ou as inspeções do Doge. A Casa Branca também não quis comentar. Natasha Jacome, que foi diretora de operações do think tank, foi escolhida pelo Doge como a nova presidente da instituição.
Com os cortes, o governo Trump colocou em prática um decreto assinado pelo presidente em março determinando que o Wilson Center fosse reduzido “ao mínimo de presença e função exigido por lei” —como se trata de um instituto criado pelo Congresso americano, somente o Congresso pode fechá-lo oficialmente, ainda que, na prática, todas as atividades do centro estejam paralisadas.
Os analistas do centro relataram à Folha a impressão de que o desmantelamento do Wilson Center foi uma tragédia anunciada —quando ficaram sabendo sobre o decreto assinado por Trump que ordenava a redução de operações, imaginaram que só havia duas opções para o think tank: seria fechado ou aparelhado, como aconteceu com o Kennedy Center, importante instituição cultural americana cuja liderança foi substituída por nomes alinhados aos objetivos culturais do trumpismo.
Essas pessoas disseram ainda que a forma como os cortes foram realizados pelo Doge mostram que o objetivo do órgão liderado por Musk não seria eficiência, mas sim uma investida política contra instituições liberais ou progressistas.
O Wilson Center foi criado pelo Congresso americano em 1968 e é financiado por meio de uma parceria público-privada —cerca de 30% do seu orçamento vem do governo e os 70% restantes, de doações de indivíduos ou empresas.
Batizado em homenagem ao ex-presidente Woodrow Wilson —que governou os EUA entre 1913 e 1921 e liderou o país durante a Primeira Guerra Mundial—, o instituto é uma referência internacional em política externa.
Os cortes no Wilson Center também paralisaram as atividades do Brazil Institute, cujos principais projetos incluíam iniciativas de energia limpa, meio ambiente e justiça climática. Apesar disso, a diretora da organização, Bruna Santos, disse à reportagem estar confiante na “continuidade do trabalho” do instituto.
“O Brasil precisa ter um think tank voltado para o país em Washington, e muitas partes interessadas, nos EUA e no Brasil, reconhecem essa importância”, afirmou, dizendo que em breve anunciará os próximos passos da organização.
Em fevereiro, o Wilson Center organizou um evento com o coordenador da COP30, o diplomata André Corrêa do Lago. Um mês antes, um artigo assinado por Santos analisava os possíveis impactos do segundo mandato do republicano na relação com o governo Lula.
“O retorno de Trump à Casa Branca pode minar as ambições climáticas de Lula, particularmente no que diz respeito aos esforços globais contra o desmatamento e pela sustentabilidade”, dizia o texto.