Stephen Miller, conselheiro de segurança interna do presidente Donald Trump, e outros altos funcionários estavam procurando uma briga.
Nos primeiros meses do governo, Miller, o arquiteto das políticas anti-imigração de Trump, e sua equipe discutiram iniciar uma nova guerra contra as drogas, atacando cartéis e supostos traficantes no México, segundo um funcionário atual e dois ex-funcionários dos EUA.
Reduzir o poder dos cartéis diminuiria o fluxo de migrantes e drogas, criando vitórias políticas. Mas à medida que o governo enviou milhares de soldados americanos para a fronteira sul, aumentou os voos de vigilância dos EUA e intensificou o compartilhamento de inteligência com seu vizinho, operações militares mexicanas do outro lado da fronteira reduziram a ação dos cartéis. Isso deixou Miller e sua equipe procurando outro alvo.
“Quando você espera e aguarda que algo se desenvolva e isso não acontece, você começa a olhar para países ao sul do México”, disse o atual funcionário que, como outros nove entrevistados para esta reportagem, falou sob condição de anonimato devido à sensibilidade do assunto.
A campanha que surgiu no mar do Caribe e no oceano Pacífico é sem precedentes no uso de força letal pelo Exército americano contra supostos grupos de tráfico de drogas. Essas operações, que começaram em 2 de setembro, evoluíram para abraçar a ambição de longa data da equipe de Trump de derrubar o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, a quem o presidente acusou de comandar “narcoterroristas” que atacam os EUA.
Miller tem sido uma força motriz por trás da campanha antidrogas do governo, pressionando por resultados e novas opções militares que poderiam ser transformadas em operações futuras, disseram os funcionários ouvidos pela reportagem.
“As políticas antinarcóticos do presidente Trump vêm do próprio presidente Trump”, disse uma porta-voz da Casa Branca. “Todos os altos funcionários do governo trabalham juntos para implementar a agenda que o presidente Trump foi eleito para implementar, incluindo eliminar o flagelo do narcoterrorismo que tira dezenas de milhares de vidas americanas todos os anos.”
Miller não pôde ser contatado para comentar. Ele orientou a elaboração de uma diretiva sigilosa de 25 de julho, assinada pelo presidente, que autorizou os militares a empreender força letal contra duas dúzias de grupos criminosos estrangeiros, disse um ex-funcionário dos EUA familiarizado com a campanha e sua evolução. O governo rotulou esses grupos como “organizações terroristas”, acusando-os de usar drogas como arma para matar americanos, usando um termo que muitos especialistas dizem não ter base legal.
“O memorando do presidente é o pecado original de toda a operação”, disse o ex-funcionário.
Essa diretiva presidencial forneceu a autoridade fundamental para uma “ordem de execução” que o secretário de Defesa, Pete Hegseth, emitiu em 5 de agosto e que posteriormente foi modificada. A ordem, cujos detalhes não haviam sido relatados anteriormente, contém diretrizes permissivas de alvos para operações letais, disseram funcionários atuais e ex-funcionários. A existência da diretiva presidencial foi relatada pela primeira vez pelo New York Times.
Juntos, esses dois documentos orientaram uma campanha militar de ataques letais contra organizações criminosas, aplicando um quadro de guerra ao que tradicionalmente tem sido tratado como um problema de aplicação da lei. A ordem de execução também contém critérios de alvos retirados da linguagem da campanha antiterrorista contra a Al Qaeda e o Estado Islâmico, que alguns funcionários atuais e ex-funcionários dizem dar ao Pentágono uma licença excessivamente permissiva para matar.
O departamento tratará os suspeitos de tráfico de drogas “EXATAMENTE como tratamos a Al Qaeda. Continuaremos a rastreá-los, mapeá-los, caçá-los e matá-los”, disse Hegseth nas redes sociais no mês passado.
De acordo com essas ordens,o governo Trump lançou ataques em pelo menos 26 barcos, matando pelo menos 99 pessoas no mar do Caribe e no oceano Pacífico oriental. O Pentágono não identificou publicamente os mortos, e não está claro se coletou inteligência para fazê-lo.
“O governo parece ter autorizado uma campanha contra civis e supostos criminosos que agora está esticando os limites do direito internacional a ponto de torná-lo totalmente irreconhecível”, disse Todd Huntley, ex-advogado militar que aconselhou forças de Operações Especiais por sete anos no auge da campanha antiterrorista dos EUA e é diretor do programa de direito de segurança nacional da Georgetown Law.
As deliberações iniciais da Casa Branca sobre o uso de força letal contra cartéis contemplavam o uso de ação encoberta pela CIA. Mas à medida que a resistência surgiu de advogados e outros nos meses seguintes, Miller e sua equipe se voltaram cada vez mais para a ideia de usar os militares para perseguir supostos traficantes.
A visão mais ampla de Miller era reduzir o fluxo de drogas —e de migrantes— para os Estados Unidos. Ele calculou que atacar os cartéis diminuiria seu poder e ajudaria a estabilizar os países latino-americanos, resultando em menos pessoas arriscando a jornada para os Estados Unidos, de acordo com um dos ex-funcionários dos EUA familiarizado com as deliberações de Miller.
À medida que o tempo avançava, as campanhas da Casa Branca contra drogas e migração se fundiram com um desejo de longa data do secretário de Estado, Marco Rubio, de forçar a saída de Maduro do poder. Rubio e o Departamento de Justiça em agosto dobraram para US$ 50 milhões a recompensa por informações que levassem à prisão do líder venezuelano, citando uma acusação de corrupção e tráfico de drogas durante o primeiro governo Trump.
Enquanto isso, a Casa Branca encontrou um parceiro disposto em Hegseth, que havia sido desestabilizado por vários erros e estava ansioso para mostrar que poderia cumprir uma missão de alta prioridade.
“Pete queria muito manter Stephen em suas boas graças e também o presidente”, disse o ex-funcionário familiarizado com o pensamento de Miller. “E essa foi uma motivação para ele —apoiar esta campanha de maneira agressiva.”
O Departamento de Defesa se recusou a responder perguntas sobre suas operações para atacar supostos traficantes e como a missão tomou forma. Elementos do papel de liderança de Miller foram relatados anteriormente pelo jornal The Guardian.
“Esta reportagem é imprecisa e é construída sobre uma premissa falsa que ignora a realidade”, disse o porta-voz chefe do Pentágono, Sean Parnell, em um comunicado. O foco do departamento, disse ele, “é, e continuará sendo, proteger a Pátria de qualquer ameaça.”




