Um juiz federal em Washington avaliou que há elementos para considerar como desacato do governo de Donald Trump o desrespeito a uma decisão judicial de suspender a deportação de imigrantes venezuelanos para El Salvador.
O magistrado James Boasberg disse que iniciará uma apuração para determinar se funcionários do governo podem responder criminalmente por ignorarem ordem proferida pelo próprio juiz no mês passado.
Em 15 de março, Boasberg suspendeu a deportação de mais de 200 supostos membros de uma gangue venezuelana para El Salvador com base em uma lei de 1798 que autoriza a detenção e deportação de estrangeiros dos EUA em períodos de guerra declarada. O juiz alegou que o grupo não havia tido o direito de contestar sua expulsão, conforme determina a lei.
Ainda assim, os voos foram mantidos. O governo Trump argumentou que os aviões já estavam no ar e, por isso, não poderiam retornar.
Desde então, o juiz tem pedido explicações para determinar se houve descumprimento da ordem judicial. Em sua decisão proferida nesta quarta, Boasberg afirmou ter havido desprezo do governo por sua ordem.
“O tribunal determina, em última análise, que as ações do governo naquele dia demonstram um desrespeito deliberado por sua ordem, suficiente para o tribunal concluir que existe causa provável para considerar o governo em desacato criminal”, escreveu o magistrado.
A causa provável é um instrumento previsto na Constituição em que um magistrado pode avaliar ser “razoável” apontar que houve um crime.
“O tribunal não chega a tal conclusão de forma leviana ou apressada; de fato, deu aos Réus ampla oportunidade de retificar ou explicar suas ações. Nenhuma de suas respostas foi satisfatória”, complementou.
O desacato à Justiça é um considerado um crime nos EUA.
Boarsberg pediu mais de uma vez respostas da gestão Trump para terem mantido a deportação dos imigrantes a despeito de sua ordem. Em 20 de março, ele já havia considerado a resposta das autoridades “lamentavelmente insuficiente“.
Em contrapartida, Trump recorreu a outras instâncias para validar seu ato. No último dia 7 de abril, a Supram Corte decidiu que o governo pode usar a controversa lei do século 18 para realizar deportações, em recurso apresentado pelo governo contra ordem de Boasberg.
Ainda assim, afirmou o juiz numa opinião emitida nesta quarta, isso não exime o governo de ter descumprido uma ordem judicial.
“É um preceito legal fundamental que toda ordem judicial ‘deve ser obedecida’ — não importa quão “errônea” ela “possa ser” — até que um tribunal a reverta”, escreveu Boasberg. “
A Constituição não tolera a desobediência deliberada de ordens judiciais — especialmente por parte de funcionários de um ramo coordenado que juraram cumprir. Permitir que tais funcionários ‘anulem livremente os julgamentos dos tribunais dos Estados Unidos’ não apenas “destruiria os direitos adquiridos sob esses julgamentos’, faria ‘uma zombaria solene’ da ‘própria constituição'”, afirmou no documento.
A decisão de prosseguir na apuração por desacato do governo desta quarta é mais um capítulo do embate que Trump e seus aliados têm travado com juízes pelo país.
O republicano e seus aliados, como o bilionário Elon Musk, têm subido o tom das críticas aos juízes responsáveis pelas ordens de bloqueio, ao ponto de defenderem o impeachment desses magistrados sob o argumento de que eles interferem no Poder Executivo de forma indevida.
Em rara crítica ao Trump, o presidente da Suprema Corte do país, John Roberts, afirmou no mês passado que pedir a destituição de um juiz por discordar de suas decisões não é uma “resposta apropriada”.