Hotel histórico é incendiado em onda de violência no Haiti – 12/07/2025 – Mundo

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Importante patrimônio histórico e cultural do Haiti, o Hotel Oloffson foi incendiado e completamente destruído, na noite de sábado (5), durante a escalada da violência que já deixou cerca de 5 mil mortos no país em menos de um ano, segundo relatório da ONU divulgado nesta sexta-feira (11).

“Não quero chorar por um prédio enquanto tantos haitianos estão sendo mortos e estuprados. A não ser que o prédio chame atenção para essas mortes e estupros”, afirmou Richard Morse, que gerenciava o hotel a partir dos Estados Unidos, em uma publicação na rede X.

Morse confirmou o incêndio no domingo (6), após receber imagens de drone do local. Embora ainda não esteja claro quem foi o responsável, o bairro onde ficava o hotel tem sido palco de confrontos entre gangues e forças de segurança.

Cerca de 90% do território da capital, Porto Príncipe, está atualmente sob controle de grupos armados, segundo a ONU. Nas semanas anteriores, a vizinha Avenida Fouchard já havia registrado intensos tiroteios entre policiais e integrantes de facções, de acordo com o jornal Haitian Times.

O Oloffson era considerado um marco essencial da identidade haitiana, com papel simbólico na memória coletiva do país. Não à toa, a destruição causou comoção nacional.

Ao longo das décadas, o hotel foi ponto de encontro da elite cultural e intelectual haitiana, mas também refletia as desigualdades sociais do país. O estabelecimento era cercado de ruas lotadas com vendedores ambulantes, além de moradores em situação de extrema pobreza.

A estrutura havia sobrevivido ao forte terremoto que assolou a capital em janeiro de 2010, servindo de hospedagem a grande parte da imprensa internacional. Omar Ribeiro Thomaz, brasileiro que estava no Haiti durante o tremor, conta que, no dia seguinte à tragédia, dirigiu-se ao Oloffson e sentiu alívio quando viu que o hotel não havia sido destruído.

Fechado desde 2022, o hotel já não recebia hóspedes há mais de um ano devido à escalada da violência.

Em 2025, os poucos funcionários que ainda permaneciam no local foram obrigados a fugir depois que os tiroteios nas imediações se intensificaram. Morse visitou o prédio pela última vez em janeiro, mesmo após alertas de que a região se tornara perigosa demais.

Para Thomaz, professor da Universidade Estadual de Campinas, a destruição do Oloffson ocorre “em meio à guerra urbana que o Exército brasileiro deixou como herança ao abandonar” o país, em referência ao papel do Brasil na Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah).

Ele defendeu à Folha que o país deveria se engajar no esforço de reconstrução do Haiti, incluindo a capital, Porto Príncipe, e o próprio Oloffson como “forma de reparar o legado deixado a um povo cuja história é marcada pela luta por liberdade”.

O edifício foi construído no fim do século 19 para ser a residência da família do ex-presidente haitiano Tirésias Simon Sam, que governou de 1896 a 1902. Quando um parente seu assumiu o poder em 1915, permaneceu apenas cinco meses no cargo, foi deposto e executado.

O então presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, ordenou a ocupação militar do Haiti, que durou até 1934. Durante esse período, os fuzileiros navais transformaram o edifício em hospital. Após a retirada das tropas, a família noruego-haitiana Oloffson alugou o imóvel e o converteu em hotel.

“Um dos mais emblemáticos hotéis do Caribe, o Oloffson foi cenário de romances e filmes e carregava uma história de beleza e contradição. Construído no final do século 19 como morada de uma família de intelectuais, artistas e políticos, o hotel sintetizava a arquitetura e os projetos de uma elite negra cosmopolita que almejava uma transformação profunda do espaço urbano” afirma Rodrigo Bulamah, antropólogo e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro à Folha.

Ao longo de décadas recebeu escritores, artistas, jornalistas e visitantes do mundo inteiro, como Mick Jagger, Jackie Kennedy Onassis e Elizabeth Taylor. Foi o romancista britânico Graham Greene quem deu ao Oloffson projeção internacional ao transformá-lo no cenário de seu romance “Os Farsantes”, ambientado durante o regime de François “Papa Doc” Duvalier e sua temida milícia, os Tontons Macoute.

Com treliças de madeira, torres e pináculos, o Oloffson era um exemplo clássico do estilo gingerbread, a arquitetura caribenha do século 19, desenvolvida por arquitetos haitianos formados na França, que buscaram adaptar mansões tropicais ao clima local.

Richard Auguste Morse, filho do acadêmico Richard M. Morse, brasilianista e professor de América Latina e Caribe na Universidade Yale, e da cantora e dançarina Emerante de Pradines, também professora na mesma instituição, assumiu a gestão do hotel no fim dos anos 1980.

Há cerca de dez anos, Morse e sua família compraram o hotel, consolidando seu papel como guardião de um dos espaços mais icônicos da cultura haitiana.

“Estar no Oloffson era participar, de alguma forma, de um mundo que não mais existia, mas que ao mesmo tempo persistia naquelas estruturas de madeira que rangiam ao toque dos pés e, decoradas com ornamentos brancos, davam ao prédio o aspecto de um castelo todo rendado”, disse à Folha a antropóloga Júlia Vilaça Goyatá, professora da Universidade Federal do Maranhão.

“A perda de um lugar como o Oloffson, que guardava tantas histórias e tinha uma força simbólica tão grande, é sempre muito forte, e lamentei muito vê-lo reduzido a pó, tal qual quando vimos nosso Museu Nacional em chamas”, afirma.

Ela conheceu o hotel durante uma temporada em Porto Príncipe em 2016, como parte de seu doutorado e acrescenta que “o acontecimento é uma tradução nítida de toda a violência que tem assolado as haitianas e haitianos, especialmente na capital, e que nunca perdemos a esperança de que cesse”.



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