Mais de 190 jornalistas e outros profissionais da imprensa foram mortos desde o início da guerra entre Israel e Hamas, em 7 de outubro de 2023, mostram dados do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). O número supera o total registrado nos três anos anteriores, de 2020 a 2022 —nesse período, foram 165 jornalistas mortos em todo o mundo.
O caso mais recente é o da equipe da emissora Al Jazeera e jornalista freelancer, atingidos no domingo (10) por um bombardeio de Israel na tenda para profissionais da imprensa em que estavam, na Cidade de Gaza. Seis pessoas aumentaram a estatística: os correspondentes Anas al-Sharif e Mohammed Qreiqeh; os cinegrafistas Ibrahim Zaher e Mohammed Noufal; e os colaboradores Moamen Aliwa e Mohammad al-Khaldi.
Os funerais ocorreram na segunda (11), e dezenas de homens levaram, sob luto, os corpos até o cemitério Sheikh Redouan, na Cidade de Gaza. A ofensiva israelense provocou indignação também fora do território palestino. Vários líderes em todo o mundo e organizações que atuam com direitos humanos e liberdade de imprensa criticaram com veemência o ataque brutal. Alguns dos posicionamentos mencionam tentativas de silenciamento em um contexto de tragédia humanitária sem precedentes na região.
“Israel está assassinando os mensageiros”, afirmou Sara Qudah, diretora regional do CPJ, ao site da organização. “Israel eliminou uma equipe inteira de jornalistas. […] Isso é assassinato.”
O Exército israelense disse que Sharif, um dos correspondentes mortos, era o “chefe de uma célula da facção terrorista Hamas e preparava ataques com foguetes contra civis e tropas” do país.
Também publicou nas redes uma selfie dele com líderes do Hamas, além de uma tabela que lista integrantes do grupo terrorista e na qual consta o nome do jornalista, acompanhado de valores que supostamente seriam os seus salários de 2013 a 2017. Não fez qualquer menção aos outros profissionais mortos no bombardeio e nem apresentou provas de que o jornalista tenha atuado como membro do Hamas desde o início da guerra.
Segundo o CPJ, contudo, o Exército israelense organizou uma “campanha de difamação” contra Sharif ao retratá-lo como integrante do Hamas. Ainda de acordo com a organização, Tel Aviv tem um padrão antigo e documentado de acusar jornalistas de serem terroristas sem fornecer nenhuma prova confiável.
“Não é coincidência que as difamações contra Sharif surgiram sempre que ele relatou um acontecimento importante na guerra, mais recentemente a fome causada pela recusa de Israel em permitir a entrada de ajuda suficiente no território”, afirmou Qudah. Em março passado, Tel Aviv suspendeu todo o envio de comida a Gaza. O bloqueio total durou 11 semanas e, segundo organizações que atuam com direitos humanos, posteriormente levou à morte mais de dezenas de pessoas devido a quadros de desnutrição.
O Escritório de Direitos Humanos da ONU também condenou a morte dos jornalistas, classificando as ações das forças israelenses de “grave violação do direito humanitário internacional”.
Já o Itamaraty falou em “novo ato de flagrante violação ao direito internacional humanitário e ao exercício da liberdade de imprensa por parte das forças israelenses”.
“O Brasil insta o governo de Israel a assegurar aos jornalistas o direito de desempenhar livremente e em segurança seu trabalho em Gaza, bem como a levantar restrições vigentes à entrada de profissionais da imprensa internacional no território”, diz nota divulgada pela pasta. Desde o início do conflito, poucas vezes jornalistas foram autorizados a entrar em Gaza, e sempre acompanhados do Exército.
A chancelaria da França endossou nesta terça (12) as manifestações de repúdio contra Israel. Na véspera, o porta-voz do premiê britânico, Keir Starmer, disse que o líder está “profundamente preocupado” com a recorrência de ataques contra profissionais de imprensa em Gaza. As mortes ocorreram três dias após o anúncio, por parte do premiê israelense, Binyamin Netanyahu, de um plano para ocupar o território.
A Al Jazeera, emissora do Qatar, disse que o ataque representou “uma tentativa desesperada de silenciar vozes antes da ocupação de Gaza” e lembrou que recentemente havia denunciado o Exército israelense por uma “campanha de incitação” contra seus correspondentes na região, incluindo Sharif.
O primeiro-ministro do Qatar, Mohammed bin Abdulrahman al-Thani, acusou Israel de realizar “um ataque deliberado” contra jornalistas. A rede Al Jazeera, financiada pelo emirado, mantém uma postura crítica à ofensiva militar conduzida por Tel Aviv em Gaza, de onde transmite ao vivo.
O Sindicato dos Jornalistas Palestinos descreveu o episódio como um “crime sangrento”, enquanto a organização Repórteres Sem Fronteiras afirmou estar horrorizada com as mortes.
Em menos de dois anos, 192 jornalistas foram mortos desde o início da guerra entre Israel e Gaza, de acordo com a CPJ. Pelo menos 184 deles eram palestinos. O número supera as 165 vítimas registradas em todo o mundo pela organização nos três anos anteriores, de 2020 a 2022.
O bombardeio contra a equipe da Al Jazeera foi a ofensiva que mais matou profissionais da imprensa em Gaza durante todo o conflito. O segundo ataque mais mortal ocorreu em 26 de dezembro do ano passado, quando cinco jornalistas e outros profissionais da imprensa foram atingidos em uma van.
A Al Jazeera e Israel mantêm uma relação conflituosa há vários anos. No ano passado, o gabinete de Netanyahu encerrou as operações da emissora em Israel, sob a acusação de que a rede de televisão ameaça a segurança nacional do país.
Sharif era um dos jornalistas mais conhecidos da cobertura da guerra em Gaza. Uma mensagem póstuma escrita por ele em abril, para ser divulgada em caso de sua morte, foi publicada na segunda nas redes sociais. Ele pede para que as pessoas “não se esqueçam de Gaza”.