Japão convive com idosos mortos em casa por cuidadores – 21/06/2025 – Mundo

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O Japão guarda uma estatística sombria dentro de suas residências. A cada oito dias, uma pessoa idosa é morta por um cuidador exausto, quase sempre um familiar —e, em muitos casos, a ação é seguida de suicídio.

Esse fenômeno, conhecido como care killing, é apenas uma das faces da crise demográfica que assola o país, cuja população encolheu em quase 900 mil pessoas no ano passado —a maior queda em 74 anos, segundo o Ministério de Assuntos Internos e Comunicações. Paradoxalmente, o número de pessoas com 65 anos ou mais aumentou, chegando a 36,24 milhões, o equivalente a 29,3% da população.

Os números do care killing vêm de um estudo da professora Etsuko Yuhara, especialista em bem-estar social da Universidade Nihon Fukushi. De 2011 a 2021, 443 mortes foram registradas em 437 casos de assassinatos ou suicídios relacionados ao cansaço extremo de cuidadores. A pesquisa se baseou em reportagens da imprensa e dados do Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-estar Social sobre mortes provocadas por maus-tratos a idosos.

Não existem estatísticas oficiais, mas os casos se mantêm entre 20 e 30 por ano, afirma Etsuko. De acordo com a pesquisadora, os principais responsáveis pelas mortes de idosos sob cuidados domésticos são os filhos adultos (55,8%), cônjuges (23,6%), genros ou noras (12,6%) e outros familiares (8%). “A demência é um dos fatores que sobrecarregam os cuidadores, muitos dos quais também são idosos e enfrentam limitações físicas e emocionais”, diz ela.

Hoje, mais de 5,5 milhões de japoneses necessitam de assistência diária. Quase 30% dos cuidadores têm mais de 70 anos. O desequilíbrio entre a demanda crescente e a escassez de mão de obra para atenção doméstica só agrava o problema. Em 2022, o país contava com 2,15 milhões de profissionais atuando no setor. Até 2040, serão necessários pelo menos 2,74 milhões —um déficit que cresce em meio ao envelhecimento da força de trabalho e à baixa natalidade.

Em junho de 2024, um homem de 77 anos foi preso após matar a irmã de 81, que sofria de esquizofrenia havia três décadas. Ele cuidava dela sozinho em casa, em Tóquio, e apresentava sinais de depressão e demência. Em outro caso, Hiroshi Fujiwara, 81, foi condenado por matar a esposa cadeirante, de quem cuidava fazia 40 anos. “Se eu tivesse pedido ajuda para alguém, isso não teria acontecido”, declarou no tribunal. No dia do crime, ele planejava se suicidar.

“Esses casos mostram que a relação entre cuidador e idoso nem sempre é de negligência ou animosidade. Muitas vezes, o crime surge do esgotamento total e da ausência de apoio”, afirma Etsuko.

Para suprir a carência de mão de obra, o Japão tem incentivado a entrada de estrangeiros no setor. A mineira Joana Cândida da Silva, natural de Três Pontas (MG), está há quatro anos trabalhando como cuidadora em Yokohama. “Por ser estrangeira, preciso redobrar a atenção. Tudo está em japonês, e há muitas regras de segurança”, conta.

Apesar da correria e das dificuldades com o idioma, Joana gosta do trabalho e diz ser bem tratada pelos japoneses. “Os velhinhos dizem que os brasileiros têm o coração mais quente.”

Recentemente, ela foi transferida para uma instituição semelhante a uma creche da terceira idade, com assistência diária. Sua rotina inclui verificar o estado de saúde dos idosos que chegam no dia, dar banho, servir refeições e auxiliar nas atividades de recreação, como karaokê e trabalhos manuais. “No Ano-Novo, muitas famílias pedem para cuidarmos do idoso. Nosso trabalho é aliviar o peso do cuidador domiciliar. Ele precisa de um tempo para si”, declara Naomi Kaneko, gerente do centro onde Joana trabalha.

Entre os brasileiros que residem no Japão, há muitas famílias que decidiram trazer os pais idosos do Brasil para viver com eles. Mieko Takahashi, 58, já cuidava da irmã com deficiência auditiva quando decidiu buscar a mãe, de 91 anos, e a sogra, de 87. “Eu a conheci quando ela já havia recebido o diagnóstico de Alzheimer. É desafiador, mas vejo como meu dever”, afirma. Ela chegou a tentar um curso para cuidadores oferecido pelo governo, mas foi recusada por declarar que queria usar os conhecimentos para cuidar de familiares.

Para manter a saúde física e emocional, Mieko malha diariamente na academia montada em sua casa. “Isso me dá disciplina. Eu também preciso de um tempo só para mim.”

Já Selma Uezu preparou sua casa para receber a mãe, Sueko, 89. A idosa frequenta uma instituição duas vezes por semana, mas quedas e sinais de depressão têm preocupado a família. “Estamos pensando em instalar câmeras para monitorá-la”, diz Selma.

Geralmente, os lares de idosos priorizam pacientes com maior grau de dependência. Muitos dos que não se enquadram nessa condição e não têm parentes próximos acabam vivendo a velhice isolados, sem rede de apoio. Em 2024, 76.020 pessoas morreram sozinhas em casa no Japão. Desse total, 76,4% tinham mais de 65 anos.

Em 4.538 desses casos, os corpos só foram encontrados um mês após a morte. A maior parte das vítimas tinha 85 anos ou mais. Assim como o care killing, a morte solitária é outra realidade de um Japão envelhecido —e ainda sem resposta à altura.



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