Uma juíza dos Estados Unidos bloqueou, nesta sexta-feira (23), a medida do governo de Donald Trump que havia proibido a matrícula de estudantes estrangeiros na Universidade Harvard —uma grave escalada na disputa entre o presidente dos Estados Unidos e uma das instituições de ensino superior mais prestigiadas do mundo.
O bloqueio, do qual a gestão do republicano ainda pode recorrer, ocorreu após Harvard processar o governo no Tribunal Federal de Boston. A instituição classificou a proibição de uma “violação flagrante” da Constituição e afirmou que a medida teve um “efeito imediato e devastador” sobre a universidade e mais de 7.000 portadores de visto.
“Com um golpe de caneta, o governo tentou apagar um quarto do corpo estudantil de Harvard, estudantes internacionais que contribuem significativamente para a universidade e sua missão”, afirmou a instituição, que solicitou o bloqueio da medida devido ao “dano imediato e irreparável causado por essa ação ilegal”.
“É o mais recente ato do governo em clara retaliação ao fato de Harvard exercer seus direitos garantidos pela Primeira Emenda, rejeitando as exigências do governo para controlar a governança, o currículo e a ideologia de seu corpo docente e alunos”, completou.
O caso foi atribuído à juíza federal Allison Burroughs, indicada pelo democrata Barack Obama. Na ordem desta sexta, Burroughs bloqueia a política por duas semanas e agenda audiências para os dias 27 e 29 de maio para analisar os próximos passos no caso.
Nesta sexta, em conversa com a imprensa na Casa Branca, Trump disse que não quer “estudantes encrenqueiros que xingam os EUA e são antissemitas” em Harvard, e afirmou que está considerando novas ações contra a universidade.
Na quinta (22), a secretária de Segurança Interna, Kristi Noem, havia ordenado o encerramento da certificação do Programa de Estudantes e Visitantes de Intercâmbio de Harvard, que permitia à universidade receber alunos estrangeiros. Ela justificou o encerramento acusando a universidade de “fomentar a violência, o antissemitismo e coordenar com o Partido Comunista Chinês”.
De acordo com dados do Escritório Internacional de Harvard (com a ressalva de que podem não representar a totalidade dos números), a nacionalidade estrangeira mais presente entre os estudantes é a chinesa. São 1.282 alunos vindos da China, seguidos por 555 canadenses, 467 indianos, 252 sul-coreanos e 242 britânicos. De acordo com os dados, 123 brasileiros estão matriculados em Harvard.
Nesta sexta, a porta-voz da Casa Branca, Abigail Jackson, criticou o processo que Harvard moveu contra o governo seguindo, novamente, a retórica que a gestão adotou em sua campanha contra universidades americanas —a de que essas instituições permitiram antissemitismo no protestos contra a guerra na Faixa de Gaza que tomaram os campi americanos no ano passado.
“Se Harvard se importasse tanto em acabar com o flagelo de agitadores antiamericanos, antissemitas e pró-terroristas em seu campus, eles não estariam nessa situação, para começar”, disse Jackson. “Harvard deveria investir seu tempo e recursos na criação de um ambiente seguro no campus, em vez de entrar com ações judiciais frívolas.”
Em uma carta à comunidade de Harvard, o reitor da universidade, Alan Garber, condenou as ações do governo. “A revogação dá continuidade a uma série de ações governamentais para retaliar Harvard por nossa recusa em abrir mão de nossa independência acadêmica e nos submeter à afirmação ilegal de controle do governo federal sobre nosso currículo, nosso corpo docente e nosso corpo discente”, escreveu.
Ainda que breve, a decisão criou profunda incerteza para os milhares de estrangeiros que estudam em Harvard —a instituição matriculou quase 6.800 estudantes internacionais em seu atual ano letivo, o equivalente a 27% do total de matrículas, segundo estatísticas da universidade.
Segundo a entidade, a revogação do programa forçaria o cancelamento e as admissões de milhares de pessoas e desorganizaria inúmeros programas acadêmicos, clínicas, cursos e laboratórios de pesquisa, poucos dias antes de formaturas. “Sem seus estudantes internacionais, Harvard não é Harvard”, afirmou a instituição de 389 anos.
A mais recente ofensiva se soma a outras. Nas últimas semanas, o governo Trump congelou ou rescindiu contratos e subsídios federais à universidade que somam quase US$ 3 bilhões. Somente na terça-feira (20), o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA cortou US$ 60 milhões em repasses federais destinados à instituição de ensino.
Especialistas apontam que a cruzada de Trump contra as universidades seria motivada, principalmente, pelo desdém que ele e seus apoiadores alimentam contra essas instituições —postura que compõe a cartilha de líderes autoritários em diversas partes do mundo.
No geral, as exigências feitas pela Casa Branca às instituições de elite são as mesmas: cortes em programas, departamentos e linhas de pesquisa que se voltem para diversidade ou que abordem uma interpretação da história americana menos que heroica —ou seja, tratem de momentos pouco lisonjeiros, como o extermínio de indígenas, a escravidão e a segregação racial.
O governo também costuma exigir expulsão de alunos que participaram de protestos e intervenções em programas que estudam o Oriente Médio —Columbia, outra instituição entre as melhores do mundo, concordou com essas exigências, mas desde então viu a pressão do governo apenas subir. A Casa Branca agora fala em intervenção direta na universidade, diz a imprensa americana.