Primeiro foi Stephen Colbert . Em 17 de julho, ele anunciou que a CBS, maior emissora de TV aberta dos EUA, não apenas deixaria de renovar seu contrato no final da temporada do “The Late Show”, em maio de 2026, como não o substituiria, pondo fim a 33 anos de um dos talk shows mais populares do país, 10 deles com Colbert à frente.
Depois foi Jimmy Kimmel , suspenso por tempo indeterminado na última quarta (17) pela rede ABC, com seu “Jimmy Kimmel Live”. Os olhos se voltam agora para a NBC, a terceira parte da trindade televisiva americana, que mantém no ar o “The Tonight Show com Jimmy Fallon” e o “Late Night com Seth Meyers“. John Oliver, o último integrante do quinteto que domina o humor político na TV dos EUA, parece resguardado, pois trabalha para a HBO, com menor alcance.
O que está acontecendo nos EUA com os humoristas à frente desses programas noturnos de entrevistas é sintoma de uma aparente tentativa do governo da vez de controlar quais informações chegam ao público. Se será bem-sucedida ou não resta a ver.
Claro, apresentadores são substituídos, programas são cancelados, anunciantes saem, o público muda e a vida segue. As decisões em questão, no entanto, passam pela pressão política contra figuras e instituições tidas como progressistas ou de esquerda e por suas críticas a Donald Trump.
Ironicamente, o presidente americano que diz prezar a liberdade de expressão acima de tudo lança mão de uma lição da cartilha de Hugo Chávez (1954-2013), que cassou licenças de órgãos de mídia venezuelanos, para fazer valer sua vontade. E, embora se vanglorie em podar o tamanho
do Estado, usa instrumentos do Estado para propósitos pessoal.
Além de incitar a opinião pública contra seus desafetos (não é o primeiro nem será o último a fazer isso), o presidente lança mão do principal órgão de regulação de mídia do país, a FCC, para fazer ameaças mal veladas.
Hoje, a agência está sob a batuta de Brendan Carr, trumpista simpático à ideia de que comediantes não devem criticar o presidente. As empresas de mídia americanas dependem da aprovação da FCC para fecharem fusões e aquisições cada vez mais frequentes em um cenário de consolidação do setor. Desagradar a Trump tornou-se um risco financeiro grave com a comissão que distribui essas licenças submetida a seu voluntarismo.
Kimmel foi suspenso com a justificativa de ter tripudiado sobre o assassinato do ativista de direita Charlie Kirk, em 10 de setembro. A morte de Kirk gerou toda sorte de comentário sórdido nas redes e de cancelamentos pela direita. O caso de Kimmel, porém, não se enquadra entre esses comentários desrespeitosos.
O apresentador disse que o assassino do ativista poderia ser parte do movimento Maga, de Trump —algo que não foi provado, mas está longe de atacar a memória da vítima (as filiações políticas do criminoso não estão claras, uma hipótese aventada é que ele fosse ligado ao movimento antifascista, de esquerda).
Bem antes, Trump já havia pedido publicamente a demissão de Kimmel, assim como já havia demandado a de Colbert (a explicação formal da emissora foi que ele não dava audiência, argumento contestável). E agora cobra a dos demais comediantes que o criticam. Não à toa a última cerimônia do Emmy buscou um apresentador insípido, sem risco de desagradar à Casa Branca. A tática de estrangulamento financeiro e regulatório é visível e eficaz.
O humor, porém, está intrinsecamente ligado à crítica e à provocação do poder e dos poderosos desde sempre, e os programas americanos de fim de noite por décadas lapidaram essa arte e ecoaram sua fórmula para o mundo. O cerceamento visto agora é preocupante.