Uma tradição lamentável do jornalismo americano volta a explodir nas manchetes políticas da semana, com mais um livro sobre o declínio de Joe Biden no período final do seu mandato. O livro já é o terceiro lançado desde março com revelações sobre os bastidores da campanha presidencial democrata derrotada em novembro.
O pior exemplo recente de jornalista guardando furo de interesse público foi Bob Woodward, veterano do escândalo Watergate. Em setembro de 2020, Woodward lançou “Raiva”, o best-seller em que confessou ter ouvido do então e atual presidente Donald Trump, em fevereiro daquele ano, a previsão de que o coronavírus seria muito mais letal do que o vírus anual da gripe. A quarentena da pandemia só começaria na segunda semana de março, e 190 mil americanos morreram até Woodward divulgar o livro que vendeu 600 mil exemplares em uma semana.
Digamos que eu descobrisse que um candidato brasileiro à Presidência recebeu diagnóstico de uma forma de demência, omitisse a informação dos editores desta Folha e assinasse contrato para publicar meu potencial bestseller seis meses depois. Mais do que trair a confiança do jornal, estaria cometendo negligência profissional com o público.
A glamurosa campanha publicitária do novo livro de Jake Tapper, âncora da CNN, e de Alex Thompson, repórter do site político Axios, ia ser aberta com um artigo dos autores na revista New Yorker, mas foi antes sacudida pelo correspondente do jornal britânico The Guardian.
David Smith obteve uma cópia antecipada do livro e deu um furo nos dois supressores de furos, publicando as revelações na véspera e mostrando que informação relevante para o país não é música nova que a Taylor Swift guarda para ir lançando na turnê.
Os marqueteiros editoriais reagiram colocando Tapper no ar várias vezes nas últimas 24 horas, na rede que o emprega. A mesma rede na qual ele encarava seus espectadores todas as tardes, omitindo segredos sobre a desonestidade no entorno de Biden para evitar que o eleitor americano soubesse que sua saúde física e capacidade cognitiva, aos 81 anos, não era compatível com mais quatro anos de mandato.
Tapper que, como já expliquei em outra coluna, posa de nobre defensor da integridade da sua profissão, é o mesmo que se recusou a desmentir as inverdades proferidas pelo candidato republicano durante o debate desastroso com Biden em junho passado, facilitando o contraste entre o confuso presidente e seu adversário. A debacle daquela noite levou o ator George Clooney a escrever no jornal The New York Times o artigo de opinião que ajudou a selar a saída do presidente da campanha.
O novo livro não revela informações para mudar a narrativa já aceita, de que Biden não deveria ter paralisado seu partido com a candidatura. Mas a obra contém intrigas como a discussão sobre Biden usar cadeira de rodas devido a problemas graves na coluna. Fofocas como o médico do presidente comentando que tentava mantê-lo vivo, enquanto os assessores estavam tentando matá-lo.
Nas entrevistas com ar de indignação de uma inquieta heroína de Tennessee Williams se abanando, Tapper destaca como escândalo o fato de Biden não ter reconhecido Clooney, ao reencontrá-lo numa noite de arrecadação de fundos promovida pelo ator. Ah, se a imprensa colada nos presidentes americanos contasse o que testemunha de fato…