O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visitou nesta quinta-feira (3) sua aliada Cristina Kirchner, que cumpre prisão domiciliar em apartamento localizado no bairro de Constitución, em Buenos Aires, e posou para foto segurando um cartaz em que pede liberdade para a ex-presidente da Argentina. O encontro ocorreu logo após o fim da reunião com os demais chefes de Estado do Mercosul.
Ao descer do carro no número 1.111 da rua San José, por volta das 12h30, Lula encontrou centenas de apoiadores que o esperavam no local.
Um deles é o brasileiro João Sotto, 36, que se mudou para Buenos Aires há cinco anos para estudar medicina. “Meu irmão mais velho se formou pelo Prouni, no Brasil, e eu me formei aqui em uma universidade aberta durante o governo Kirchner. Meus pais não puderam estudar, somos muito gratos a Lula e Cristina”, disse.
Em um número menor do que nos dias seguintes à condenação de Cristina, os apoiadores cantavam a marcha peronista e gritavam frases de apoio a Lula. Eles pediam que os dois saíssem na varanda do apartamento dela, o que a ex-presidente tem feito, mas eles não saíram.
Em seguida, Lula voltou para a embaixada do Brasil, onde tinha reuniões bilaterais marcadas com os presidentes de Panamá e Bolívia, além de um encontro com o Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel. O escultor argentino disse que a visita de Lula a Cristina representa um importante gesto a favor da democracia.
Esquivel publicou em suas redes sociais uma foto em que Lula aparece segurando um cartaz com as palavras “Cristina livre”. Segundo um dos presentes no encontro com o escultor, o brasileiro também disse acreditar na inocência da ex-presidente.
Cristina compartilhou fotos do encontro em suas redes sociais. “Lula também foi perseguido, também usaram a guerra jurídica contra ele até prendê-lo, também tentaram silenciá-lo. Não conseguiram. Ele voltou com o voto do povo brasileiro e de cabeça erguida. Por isso, hoje, sua visita foi muito mais do que um gesto pessoal: foi um ato político de solidariedade”, escreveu a ex-presidente.
Em seguida, Lula também celebrou o encontro com uma publicação nas redes, afirmando que ficou feliz em encontrá-la “tão bem, com força e gana de luta”.
“Além de prestar minha solidariedade a ela por tudo que tem vivido, desejei toda a força para continuar lutando com a mesma firmeza que tem sido a marca de sua trajetória na vida e na política”, escreveu.
Foi a primeira visita de Lula ao país desde que o ultraliberal Javier Milei chegou à Casa Rosada, em dezembro de 2023. Milei é desafeto de Cristina, e ele e Lula tampouco se bicam —o argentino chegou a fazer ataques ao brasileiro durante a sua campanha.
Lula e Milei não tiveram uma reunião bilateral. Mais cedo nesta quinta, os dois se encontraram durante o evento do Mercosul e fizeram discursos opostos.
Já com Cristina, Lula tem uma relação histórica. Os dois representaram, nos anos 2000, a ascensão da chamada onda rosa na América Latina, em que governos de esquerda chegaram ao poder em diversas nações e havia mais sinergia entre os líderes.
Ela assumiu a Presidência da Argentina em 2007, sucedendo seu marido, Néstor Kirchner (1950-2010). Assim como Lula, defendia maior integração da região e o fortalecimento do Mercosul, um posicionamento bem distante de Milei.
O ultraliberal, que entregou a presidência rotativa do Mercosul ao Brasil, sempre deixou clara a sua insatisfação em fazer parte do grupo, que descreveu como uma prisão.
Cristina manifestou apoio público a Lula durante o período em que ele esteve preso, após condenações na Lava Jato. E já se referiu ao petista como uma “vítima de lawfare”, num discurso parecido com o que tem mantido sobre a sua própria condenação pela Justiça argentina.
O então candidato peronista Alberto Fernández, em 2019, de quem Cristina viria a ser vice-presidente, visitou Lula na prisão em Curitiba.
A Justiça da Argentina autorizou na quarta (2) a entrada de Lula no apartamento em que Cristina cumpre pena de seis anos por corrupção. O pedido do encontro foi feito pelos advogados dela.
Os dois conversaram por telefone após ela ter sido condenada à prisão e à inabilitação política perpétua por administração fraudulenta. Em entrevista ao podcast Mano a Mano, apresentado pelo rapper Mano Brown, Lula contou que a argentina chorou com o gesto.
“Eu liguei para ela para prestar minha solidariedade. Ela até chorou. Eu falei, Cristina, eu estou te ligando porque eu quero que você saiba que a minha amizade com você não era porque você era presidente e eu era presidente. A minha amizade com você é porque eu sou gente, e você é gente”, disse.
A visita a Cristina contrasta com a falta de proximidade entre Lula e Milei. As divergências entre eles vão desde questões ambientais e econômicas até o conflito entre Israel-Hamas.