Enquanto as forças americanas atacam supostos traficantes de drogas e apreendem petroleiros da Venezuela, as autoridades locais mobilizam o Exército, pedem apoio aos aliados e apelam às Nações Unidas contra as ações do tipo. Segundo observadores locais e internacionais, elas também estão se aproveitando das ameaças feitas pelos Estados Unidos para reprimir a dissidência interna.
O regime do ditador Nicolás Maduro vem usando a pressão dos EUA como “pretexto para mobilizar as Forças Armadas, rotular críticos de traidores e prender dezenas de dissidentes”, afirma Martina Rapido Ragozzino, pesquisadora da Human Rights Watch.
A organização de direitos humanos, com sede em Nova York, informou em setembro ter documentado 19 casos em que prisioneiros foram mantidos incomunicáveis.
O político da oposição Alfredo Díaz, ex-governador do estado de Nueva Esparta, morreu este mês em El Helicoide, sede do Sebin (Serviço Britânico de Inteligência e Segurança), em Caracas, um ano após ser preso enquanto tentava fugir do país. Sua família afirma que ele teve o atendimento médico negado.
E a Assembleia Nacional aprovou na terça (23) uma legislação que impõe até 20 anos de prisão a qualquer pessoa que “promova, incite, solicite, invoque, favoreça, facilite, apoie, financie ou participe” da campanha dos EUA para apreender navios que transportam petróleo venezuelano.
“A repressão ao espaço cívico se intensificou, sufocando as liberdades das pessoas”, afirmou Volker Türk, Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, ao Conselho de Direitos Humanos da ONU neste mês.
“Jornalistas, defensores dos direitos humanos, figuras da oposição e até mesmo trabalhadores humanitários continuam a enfrentar ameaças, assédio e o risco de detenção arbitrária simplesmente por fazerem seu trabalho.”
A Human Rights Watch e Türk também criticaram os ataques militares dos EUA contra supostos traficantes de drogas na costa da América Central e do Sul. A Human Rights Watch classificou-os de execuções extrajudiciais ilegais; Türk afirmou que as ações violam o direito internacional.
Os acontecimentos não são surpreendentes, disse o sociólogo David Smilde, da Universidade de Tulane. “Quando existe essa ameaça muito real de uma operação militar, é claro que ela será usada como desculpa.”
A repressão intensificou uma campanha iniciada por Maduro no ano passado. O ditador reivindicou a vitória nas eleições presidenciais venezuelanas de julho de 2024, apesar das auditorias de votos feitas pelo jornal The Washington Post e outros observadores independentes terem demonstrado que ele perdeu a disputa para o candidato da oposição, Edmundo González.
Quando os venezuelanos foram às ruas em protesto, as autoridades prenderam milhares. O Foro Penal, organização independente de monitoramento do sistema prisional, afirmou neste mês que o regime mantém 905 presos políticos.
Os Estados Unidos consideram Maduro ilegítimo desde a eleição presidencial da Venezuela em 2018, que também foi amplamente considerada fraudulenta. O governo Trump acusou regime de tráfico de drogas para o território americano.
Maduro e várias autoridades venezuelanas foram indiciados em um tribunal federal dos EUA por acusações de narcoterrorismo. Os Departamentos de Justiça e de Estado aumentaram este ano a recompensa por informações que levem à sua prisão ou condenação para US$ 50 milhões.
Em agosto, o governo Trump começou a enviar navios de guerra para o Caribe. Desde o início de setembro, as forças americanas fizeram ataques contra pelo menos 29 embarcações na costa da América do Sul e Central, matando pelo menos 105 pessoas. A Guarda Costeira apreendeu dois petroleiros neste mês e tentou capturar um terceiro.
O governo afirma estar combatendo o narcotráfico. Mas o presidente Donald Trump disse repetidamente que os “dias de Maduro estão contados”; ele ainda afirmou a repórteres esta semana que a renúncia do ditador seria uma decisão inteligente.
O regime venezuelano tentou responder com diplomacia, evitando um confronto militar. Maduro descreveu as apreensões dos petroleiros como atos de pirataria com o objetivo de roubar os recursos naturais da Venezuela. Na segunda-feira (22), ele enviou um apelo formal a todos os 193 Estados-membros da ONU, alertando para uma “escalada de agressão extremamente grave” por parte dos EUA.
“A Venezuela não cometeu nenhum ato que justifique essa intimidação militar”, escreveu Maduro. Ele descreveu a abordagem dos EUA como “o uso letal da força fora de qualquer estrutura jurídica internacional”.
Em reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU na terça-feira, a pedido da Venezuela, Samuel Moncada, representante do país, acusou os EUA da “maior extorsão conhecida da história” venezuelana.
O representante dos EUA, Mike Waltz, respondeu dizendo que Maduro era “um fugitivo da Justiça americana e o chefe da organização terrorista estrangeira Cartel de Los Soles”.
Na quarta-feira, Johany Méndez, 35, saiu de uma prisão no estado de Lara com uma pequena sacola de alimentos e produtos de higiene para seu sobrinho. Durante a viagem de uma hora, ela rezou: “Só peço a Deus que ouça nosso clamor e traga meu filho de volta.”
Gabriel José Rodríguez tinha 16 anos, em janeiro, quando foi preso em um hospital em Lara. Ele havia ido à unidade médica para tratar uma febre. Era a véspera da posse de Maduro, disse sua tia, e ele foi levado “porque disseram que ele parecia um encrenqueiro”.
Ao longo do último ano, ele comemorou seu 17º aniversário e concluiu o ensino médio na prisão. Rodríguez também foi acusado de terrorismo, condenado e, neste mês, sentenciado a dez anos de prisão. Ele é um dos pelo menos cinco adolescentes presos pelo regime.
“O pai dele está devastado, assim como todos nós”, disse a tia. “Ele adora o Natal. Nesse sentido, ele ainda é uma criança. Agora, sem ele, tudo parece vazio.”
Jorgen Watne Frydnes, presidente do Comitê Norueguês do Nobel, falou sobre a morte de Díaz este mês, em Oslo, onde a líder da oposição venezuelana, María Corina Machado, foi homenageada com o Prêmio Nobel da Paz de 2025.
“Alfredo Díaz, líder da oposição e ex-prefeito, foi retirado de um ônibus em novembro passado e jogado nas profundezas de El Helicoide, a maior câmara de tortura da América Latina“, disse Frydnes. “Mais um prisioneiro político, em uma longa fila de outros. Esta semana veio a notícia de sua morte. Mais uma vida perdida. Mais uma vítima do regime.”
No último ano, o regime prendeu não apenas líderes políticos e ativistas, mas também cidadãos comuns. Marggie Orozco, uma médica de 65 anos, compartilhou uma mensagem no WhatsApp reclamando da crise política na Venezuela. Ela foi presa, acusada e condenada por traição, incitação ao ódio e conspiração. Em novembro, foi sentenciada a 30 anos de prisão.
Também em novembro, o Comitê para a Liberdade dos Presos Políticos informou que um grupo de homens, alguns com uniformes das forças de segurança, outros não, “invadiu violentamente” uma casa em Caracas e prendeu Samanta Sofía Hernández Castillo, de 16 anos.
Quarenta e oito horas depois, sua família soube da prisão de sua irmã, Aranza Hernández Castillo, 19, em Maracaibo, conforme disse sua mãe, Ambar Castillo, à CNN. Sofía e Aranza são irmãs do ex-tenente do Exército venezuelano Cristian Hernández, acusado de traição e que vive exilado.
Na terça-feira, do lado de fora de El Helicoide, a pequena família de um prisioneiro vestia-se de branco para a visita. A esposa do prisioneiro comparou o local ao inferno. Ela falou sob condição de anonimato por medo, segundo ela, de represálias, como o cancelamento de seu direito de visita ou sua própria prisão.
A mulher e seus dois filhos pequenos levaram alguns presentes, que foram examinados primeiro pelos guardas, e hallacas pastéis de massa de milho recheados com carne e outros ingredientes, envoltos em folhas de bananeira— um prato natalino tradicional da região.
Seu filho, de 8 anos, pediu ao Papai Noel este ano apenas um presente: a libertação do pai.




