Ninguém consegue conceber o que seria uma guerra mundial agora. Mas todos, ou quase, a pressentimos. Esse é o paradoxo atual. Uma guerra mundial seria provavelmente uma guerra nuclear, e já nos afastamos das décadas em que a literatura e o cinema se dedicavam a imaginar como seria o mundo e sobretudo o pós-mundo a que uma tal guerra levaria.
Todavia, sem ousar dizê-lo, muitos de nós cheiram no ar do tempo o fedor do pré-guerra. Entre o excesso do medo e a lacuna da imaginação, não sabemos como falar disso.
A chuva cruzada de mísseis entre Israel e Irã força-nos, porém, a confrontar o indizível. O premiê israelense, Binyamin Netanyahu, precisa da guerra —primeiro em Gaza, agora com o Irã— para se manter no poder, e o conflito aberto com Teerã serve-lhe para fazer descarrilar qualquer hipótese de acordo entre os Estados Unidos e Irã e arrastar Donald Trump para uma política de fatos consumados.
Apesar de eleito com promessas de colocar a “América primeiro” e um discurso superficialmente anti-intervencionista, e se Trump sentisse a tentação da guerra com um adversário longínquo para afirmar a sua força perante a outra superpotência em emergência, a China?
Antes da Primeira Guerra Mundial —um período que se parece de tantas maneiras com o nosso—, também o Kaiser da Alemanha decidiu antecipar a guerra com a Rússia, que já era considerada inevitável, para evitar que esta viesse a ficar mais forte.
Em resultado, ambos os impérios (e outros dois ainda, o Austro-Húngaro e o Otomano) se perderam. E com essa guerra se perdeu também um período de relativa estabilidade europeia que vinha desde a Guerra da Crimeia, em 1853, que por sua vez interrompera outro período de alguma estabilidade, desde o Congresso de Viena e o fim das guerras napoleônicas, em 1815.
Que têm em comum esses períodos de estabilidade e como eles poderiam nos ensinar hoje sobre as formas de impedir o surgimento de uma nova guerra? O elemento mais interessante é que eram períodos de estabilidade que não eram garantidos por nenhum poder hegemônico. Mesmo o Império Britânico, dominante nesses dias, era um império acima de tudo extra-europeu. A cada aproximação de um conflito, os poderes que compunham “a balança da Europa” se reuniam e tentavam conciliar as partes. Não funcionava sempre, mas foi funcionando durante bastante tempo.
No nosso tempo de vida, a estabilidade foi assegurada de formas diferentes: ou pela tensão recíproca entre EUA e URSS, ou pela hegemonia dominante da superpotência única após a queda do Muro, ou (supostamente) pela possibilidade de diálogo internacional na ONU. A primeira já não existe, a segunda está em dúvida, e a terceira está em crise.
É possível imaginar uma alternativa para a paz? O G7 e o G20 estão inoperantes. Entre os países do Brics se sobressai uma potência agressiva como a Rússia —parte do problema, não da solução. Organizações regionais como a União Europeia, o Mercosul e a Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) são eficazes, mas apenas na sua área geográfica.
Seria possível imaginar uma coligação de potências regionais que servisse de “Congresso de Viena” moderno. Infelizmente, no atual estado das coisas, não se vê quem poderia dinamizá-la. Fica mais fácil conceber o inconcebível.