Foi necessário que o Nobel da Paz reconhecesse a luta pela redemocratização da Venezuela por parte de uma líder de ultradireita para que a esquerda latino-americana —do Brasil inclusive— se desse conta de que o pesadelo da ditadura de Nicolás Maduro precisa terminar.
As principais críticas ao Nobel de María Corina vieram do fato de ela ser próxima ao atual governo republicano dos EUA. É preciso recordar, porém, que o país do norte fez muito mais do que a esquerda mundial até aqui para acabar com o regime chavista.
Não se trata de elogiar Trump e Marco Rubio, até porque a oposição venezuelana sempre buscou e obteve apoio dos presidentes anteriores, incluindo os democratas Barack Obama e Joe Biden.
O vilão a ser mirado aqui é outro, chama-se Nicolás Maduro. Ele e Hugo Chávez usaram o aparato estatal venezuelano para capturar instituições. Sob Chávez, consolidou-se o controle político sobre Judiciário, Ministério Público, CNE (Comissão Nacional Eleitoral) e Forças Armadas; multiplicaram-se leis que restringiram imprensa e ONGs; rádios e TVs foram expropriadas; opositores foram inabilitados, perseguidos e levados ao exílio, quando não trancafiados nas terríveis prisões do Helicóide e da Tumba. Nesses centros de detenção, mais de mil presos políticos hoje sofrem torturas, não veem a família ou têm direito a um advogado.
Com Maduro, a repressão tornou-se sistemática. As ondas de protestos de 2014, 2017 e 2019 foram contidas com uso letal da força. Em 2017, o regime esvaziou a Assembleia Nacional eleita e impôs uma outra, paralela.
A emergência humanitária é devastadora. Faltam alimentos, remédios e muitos hospitais não têm nem os aparelhos mínimos para detectar doenças, enquanto medicamentos para a quimioterapia são comprados no mercado negro. A lista é longa.
Machado pertence a uma das famílias mais ricas do país, poderia ter escapado desse pesadelo em seus primeiros dias. Mas não o fez. Ficou em Caracas, não pode sair da Venezuela nem tomar voos internos. Já foi de moto conferir a situação no Arco Mineiro (uma espécie de Serra Pelada), onde atuam cartéis do Irã, da Colômbia, da Albânia, todos pagando os pedágios cobrados pelo regime.
O Comitê Norueguês reconheceu o que se viu em 2024: liderança eleitoral e uma estratégia pacífica que escancarou a maior fraude da história recente da América Latina. Mais que o 28 de julho, foi o dia seguinte que cimentou seu mérito. Quando os fiscais começaram a ler os números mentirosos, houve indignação generalizada, protestos espalharam-se. Muitos queriam que Machado estimulasse esse movimento, o que poderia levar a um banho de sangue. Mas ela não o fez. Ao contrário, sustentou a via das provas, com as atas na mão, provando mais uma fraude chavista.
É verdade que o protagonismo norte-americano desconforta a esquerda. Mas esse vazio não foi criado por Machado, e sim pela falta de solidariedade da região. Foram governos e os movimentos sociais latino-americanos que se recusaram a enxergar a deriva autoritária do chavismo.
Por fim, circulam as fake news. E a mais daninha é a deturpação de uma carta de 2018 em que Corina pediu ações de pressão ao Conselho de Segurança da ONU. Trabalhos de agências de checagem apontam que Corina não pediu a esses países uma “invasão coletiva” da Venezuela.