O impulso de escapar enfrenta o scroll infinito das redes – 18/06/2025 – Lúcia Guimarães

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As conversas já começam num tom de consternação, implicando que as coisas pioraram. Clichês de auto-ajuda começam a invadir conversas entre céticos. “Você está controlando seu doom scroll?”, pergunta a amiga, numa referência ao hábito da rolagem (scrolling) infinita, mas que é uma viagem à ruína (doom).

Sim, reduzi drasticamente o tempo passado na plataforma que o bilionário Elon Musk transformou numa cloaca digital de mentiras e celebração da crueldade. Mesmo o mais civilizado e rarefeito BlueSky precisa ser consumido com parcimônia.

As notificações do celular agora têm hora marcada, duas vezes por dia. Como a profissão me impede de sair do ar, só permito que um jornal invada a minha tela com alertas.

Quando Steve Bannon profetizou, no distante ano de 2018, que o importante era “inundar toda a zona com merda” porque os democratas não tinham importância, “o inimigo real é a mídia”, suponho que nem ele era capaz de prever o nosso cotidiano de dejetos incessantes.

Não é à toa que a audiência para notícias no cabo está despencando. Ou que, pela primeira vez, o conteúdo de streaming superou em audiência a programação da TV aberta e a cabo combinadas.

Parentes e amigos trocam dicas sobre o que assistir para se refugiar dos corpos em Gaza, em Kiev, no Sudão ou das mães gritando ao serem separadas de filhos por homens mascarados em Los Angeles.

Todo dia uma linha vermelha é cruzada, um tabu da civilidade é derrubado e os que suplicaram votos com bravatas encolhem em público e ao vivo. Houve um tempo em que as palavras eram armas de ataque ou resistência à tirania.

O alerta veio de um rei egípcio, 2.000 anos antes de Cristo: “A língua é uma espada para o homem, e a fala é mais valorosa do que a luta.” “Morte e vida estão no poder da língua”, diz o Livro dos Provérbios da Bíblia.

Mas hoje as palavras parecem castradas, incapazes de transportar a indignação para ações, confirmando o pessimismo de William Shakespeare —”as palavras não passam de vento”.

Citar palavras históricas não desperta mais o impulso coletivo de coalescer, como a resposta dada na audiência do Congresso americano por um advogado reagindo à caçada anticomunista do demagogo senador Joe McCarthy, nos anos 1950: “Você já fez o bastante. Você não tem nenhum senso de decência, afinal?”

Estamos exaustos. E esta admissão nos enche de remorso porque os muito mais exaustos, os feridos, famintos e impotentes não podem se distrair assistindo às reprises de Seinfeld na Netflix. Mas a culpa é um sentimento que paralisa e pode servir de escudo para a passividade.

Como chegamos a este ponto? A pergunta se tornou vazia. Como você e eu não tivemos imaginação para prever que chegaríamos aqui, nos anos 1990, na década seguinte e na que veio depois dela?

Publicações de jornalismo sério dão dicas de como fugir de forma terapêutica do assalto diário da realidade. “Imigração interna” era como os europeus do leste descreviam sua tática de sobrevivência ao autoritarismo comunista. Se escapismo tem conotação negativa, quem pode condenar os que fugiam ao terror político cultivando um jardim? Estudiosos das antigas repúblicas soviéticas notaram que o escapismo pela aproximação a amigos e parentes tornava os cidadãos mais resistentes.

Mas, como lamentou o sociólogo Robert Putnam, “hoje estamos assistindo ‘Friends'”, não fazendo friends (amigos).


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